quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

La Ruta de los Conquistadores (Costa Rica): A Corrida mais Louca do Mundo!


Acordo em San José, na Costa Rica, capital do país cujo povo é o mais feliz do mundo. Depressa percebo porquê: PURA VIDA! Estou em trânsito para Jacó, local à beira do Pacífico onde vai ter início a prova de BTT mais dura do mundo: La Ruta de los Conquistadores. Não se trata de uma simples prova de BTT por etapas; é também chamada de Corrida de Aventura. Também depressa percebo porquê…

Voltinha de reconhecimento em Jacó: a Xmile Cycle Team, com o Pedro Campos do BTT Loulé e os amigos colombianos da equipa CCRE - Ciclistas Comunes Rettos Extraordinarios

La Ruta atravessa a Costa Rica, desde o Pacífico até ao Atlântico, mais precisamente no mar das Caraíbas. É uma prova que visa reproduzir o percurso que os conquistadores espanhóis fizeram quando descobriram aquele território. Só não demoraremos tantos anos como eles a atravessar a floresta tropical: eles demoraram 20 anos, nós iremos fazê-lo em 3 dias. Vamos encontrar selva, estradões, pedra, raízes, terrenos vulcânicos, single tracks, lama até aos joelhos, linhas férreas e pontes desactivadas, asfalto, areia, montanhas, vulcões, plantações de café, bananais…

1ª Etapa: Jacó – Universidad de Atenas (90kms, 3100mts de desnível)

Às 04h da madrugada do dia de prova, já todos tomam o pequeno-almoço no hotel oficial. A partida é às 06h do areal da praia de Jacó, e às 5h15 da manhã já há luz do dia.

Perfilam-se os participantes, sem dúvida que o mais emblemático para nós e grande candidato à vitória é o nosso Luís Leão Pinto. Que privilégio estar na linha de partida com este e outros fora de série!

Partimos para os primeiros 5kms que são uma espécie de aquecimento para a enorme parede que se avizinha: serão cerca de 8kms de subida com inclinação média entre os 15 e os 20%! Tenho uns pratos duplos com uma relação de 34/22, e estou tão feliz por os ter! Mas mesmo assim, a dificuldade e o esforço são atrozes. Quando por fim chego ao topo e a subida estabiliza, as pernas tremem, os braços tremem, e a respiração demora a regularizar. Incrível é o público: os costa-riquenhos e os familiares, amigos e a assistência dos atletas (permitida excepto para os 50 primeiros) estão por todo o lado com palavras de incentivo e apoio. Aplaudem, oferecem abastecimentos, até empurram se deixarmos. La Ruta é um evento mais marcante do que a Volta à Costa Rica em bicicleta. É PURA VIDA!


Chegamos à primeira descida técnica e é tão longa e escavacada que não vale a pena arriscar uma queda, tem demasiados sulcos profundos e começa a haver alguma lama. Esta vai aumentando… Aproximamo-nos do “bicho papão” deste primeiro dia: o Parque Nacional de Carara. Toda a gente falou dele. As imagens da Ruta que vemos, de lama até ao pescoço, são aqui… E ela aí está. No princípio aparece timidamente. Mas vai sempre aumentando. Quando damos por isso, temos lama em todo o lado, não dá para fugir, e não há pneus que resistam: a subir, a descer, a direito, escorrega como manteiga, agarra-se como lapas e só as imensas linhas de água que temos de atravessar, algumas pelos joelhos, é que permitem lavar a bike, mergulhá-la dentro de água, para que possamos continuar a andar. As quedas são constantes, a maioria inofensivas, não vale a pena ter pressa. A dada altura, de bike às costas para trepar um barranco, fiquei enterrada na lama até aos joelhos e os pés não saíam… Surreal!


Passamos o PC1 e vamos ter as primeiras descidas. Mas nada do que vem a seguir se compara ao que acabámos de passar. A corrente pede óleo, de resto a Epic não pede mais nada, só andar!

De PC em PC os kms vão passando, mas o dia parece não ter fim. Após o PC4 em Escobal, as subidas parte-pernas matam o que já está moribundo. E quando pensamos que estamos a chegar e o pior já passou, eis que enfrentamos novo mar de lama misturado com excremento de gado vacum… Não há como fugir, estou outra vez enterrada até às canelas, e lá vou indo de bike às costas. Por fim termina o calvário, e quando entramos na estrada, sei que falta pouco. Cruzo a meta e a minha satisfação e alívio são enormes!


Toda a comitiva Xmile Cycle Team concorda que nunca na vida fizemos nada tão duro… e já todos fizemos umas “coisinhas”. A etapa é ganha pelo grande Luís Leão Pinto! Demolidor!

2ª Etapa: Terramall – Campamento Oikumene (45kms, 2300mts de desnível)

Este seria normalmente um dia mítico, o dia da subida ao vulcão. Infelizmente, alguns dias antes da prova, o vulcão registou alguma actividade e o ar nas proximidades era desaconselhável e colocava em risco a saúde de atletas e staff. Assim, foi desenhado um percurso alternativo que nos leva, após cerca de 10kms iniciais quase sempre a subir, em direcção ao “La Angelina Mountain Bike Park”, uma espécie de Centro de BTT com 12kms de extensão , unicamente compostos de single tracks a subir e a descer, curvas apertadas e árvores caídas e caminhos de raízes que tornavam o percurso não só desafiante como também "engarrafado”. A juntar a estes ingredientes, a inevitável lama por todo o lado. O que seria um percurso divertidíssimo se seco, torna-se numa verdadeira prova de persistência e perícia: ora se empurra, ora se tenta manobrar a bike de forma a não escorregar, o que se revela uma missão impossível! A vista é linda e o verde só é manchado pelos tons de lama!


Saindo de La Angelina, adensamo-nos depois em locais tão perdidos no meio de floresta e barrancos, que não consigo perceber em que ponto do percurso é que me encontro. Só sei que a lama é uma constante, e empurrar a bike ou carregá-la é a melhor opção. Quando atingimos o topo, no ponto mais alto da Ruta aos 3000mts, o nevoeiro é denso, e dificulta a visão quando finalmente começamos a descer. A descida convida à velocidade, mas a visibilidade não é boa… Quem passa por mim a voar são as Fat Bikes, uma categoria à parte nesta prova, e que faz enorme sucesso em todos os troços mais técnicos.

Quando julgava que teria pelo menos mais uns 10kms, eis que oiço música e o speaker nos altifalantes, e dou comigo a cruzar a meta!



3ª Etapa: Turrialba – Playa Bonita, Limón (127kms, 1325mts de desnível)

Para iniciarmos o último dia, temos pela frente uma viagem de cerca de 2,5h de autocarro, que funcionou para uns como extensão da curta noite, e para outros como excursão turística. A paisagem é esmagadora.

É dada a partida e temos andamento controlado durante cerca de 7kms, o que origina algumas quedas devido à proximidade.




Entramos na 1ª subida de alcatrão, bem empinada para dispersar toda a gente, após o que entramos na terra, descemos, para logo de seguida termos uma longa e progressiva subida, daquelas que eu gosto, até ao PC1, perto do km 20. A Epic sobe à medida de quem a conduz, e eu hoje sinto-me melhor que em qualquer um dos dias anteriores. Toda a altimetria está na 1ª metade da etapa, e temos agora uma longa e sinuosa descida sempre em asfalto e a última subida também em asfalto. O público aqui não arreda pé e já é costume darem-nos bananas, água em saquinhos, bolos, e até as assistências alheias ajudam. Descemos novamente e vamos agora percorrer os cenários mais planos e mais fotografados da Ruta de Los Conquistadores: pedalamos em longas linhas de comboio desactivadas, cheias de cascalho e traves em cimento muitas vezes tão salientes que originam quedas aparatosas. Minha rica suspensão total! E vamos passar nas pontes mais temidas: pontes de comboio abandonadas sobre rios de águas bravas (segundo dizem infestadas de crocodilos), construídas sobre traves de madeira em mau estado e onde já faltam muitas, tendo outras sido “remendadas”. Aqui a mais pequena distracção é a morte do artista.



Olhar lá para baixo impõe respeito. Pé ante pé, de bike às costas ou pela mão (rapidamente concluí que as rodas não cabiam nos intervalos), ponte atrás de ponte, até entrarmos no derradeiro troço na areia adjacente à praia, e onde tudo vai terminar. A última vintena de kms foram alucinantemente rápidos, e cruzo a meta instalada em plena Playa Bonita com um companheiro costa-riquenho, Martín, e juntos celebramos a façanha. Impõem-nos as medalhas de Finisher e ficamos a saber que o Luís Leão Pinto é o vencedor da Ruta de los Conquistadores. Orgulho lusitano!



Fechamos com uns excelentes mergulhos nas cálidas águas caribenhas, semi-equipados e a descomprimir de 3 dias brutais, 3 empenos monumentais e 3 amigos fenomenais: Hélder, Sérgio, Pedro, e o L. Leão Pinto que faz parte de outra estirpe e está a ser assediado pelos media.

Quando acordo de mais este sonho, descubro que conquistei o 2º lugar na categoria Open (não federados) feminina! Soy Conquistadora! PURA VIDA!


“Nunca avalie a altura de uma montanha até que atinja o cume. Verá então como era baixa."

O meu mais profundo agradecimento à Xmile Cycle Team, meus amigos do coração, sem eles este sonho não teria sido possível; à Ciclomarca Bicicletas; e às rodas Speedsix.



Final Camp. Mundo XTerra (Havai) e Ruta de los Conquistadores (Costa Rica): Como matei 2 coelhos com uma só cajadada!

Final do Campeonato do Mundo de Triatlo XTerra (Maui - Havai):

Foi em Junho de 2014, na Golegã, que conquistei o slot para a final do Campeonato do Mundo de Triatlo BTT, que iria realizar-se no Havai, na ilha de Maui, no dia 26 de Outubro de 2014.

O circuito internacional de triatlo BTT, mais conhecido por X-Terra, tem as suas fases de apuramento em diversos países, tendo um deles sido Portugal, na vila da Golegã. Os atletas qualificam-se para a final do Havai consoante o número de vagas (“slots”) disponíveis para cada escalão, e em função da sua classificação no mesmo.


O que distingue o XTerra de qualquer outro triatlo não é só o facto de ser em BTT, mas também a presença de obstáculos e/ou dificuldades acrescidas nos restantes segmentos: a natação (1500mts) é em águas abertas muitas vezes sujeitas a corrente ou ondulação forte; o BTT (35kms) tem altimetrias respeitáveis e é tecnicamente bastante exigente; e a corrida (10kms) é em trail, com obstáculos dos mais diversos tipos.

Posto isto, é fácil de perceber que não se trata de um passeio na avenida, mesmo para quem seja bom triatleta ou bom betetista. Os dias que antecederam a prova foram de calor e humidade intensos, ou não estivéssemos no Havai, mas com chuvas que tornaram o percurso de BTT e corrida num autêntico lamaçal. Os ventos constantes que se fazem sentir naquele arquipélago também tornam o mar bastante batido, pelo que adivinhava-se uma natação agitada e um BTT desafiante pelas condições do piso.

Welcome to Xterra!

São cerca das 7h da manhã no event center, localizado no Ritz-Carlton de Kapalua. O Parque de Transição (PT) já está aberto para os atletas colocarem as suas bicicletas e material de prova, e uma rápida olhada sobre a baía deixa ver o que todos adivinhávamos: estão ondas muito fortes e é provável que haja corrente.

Foto: João Boim

Os nervos já estão em franja, mas ao mesmo tempo o ambiente informal que caracteriza o XTerra ajuda a descontrair: há Pros e atletas de todas as idades, condições e origens misturados e a circular sem qualquer problema ou restrição, todos conversam com todos, todos estão no mesmo pé de igualdade, mas cada um fez o seu treino e cada um sabe o que vale!

Foto: João Boim

Minutos antes da hora de partida, estamos todos já no areal, milhares de toucas coloridas enchem a Fleming Beach e todos nos assustamos com as vagas sucessivas de ondas de mais de 1.5mts que rebentam na praia… olho e à minha frente está uma atleta sem uma perna do joelho para baixo… De que me queixo eu??

Foto: João Boim

Soa o canhão (sim, um mini-canhão a pólvora!!) para as atletas femininas amadoras, e lá vou eu para debaixo das ondas e da espuma! São precisos muitos “golfinhos” para passar a rebentação inicial, após o que tento nadar o melhor que a ondulação permite, sem conseguir sequer avistar qualquer bóia devido à altura das ondas. Sigo nos pés da “multidão” quando sinto uma espécie de choques eléctricos na perna direita… Percebo logo do que se trata: uma medusa, vulgarmente designada de “alforreca”. Nadamos sem fato, pois o fato só é permitido em águas menos quentes, o que é mais um factor que dificulta e propicia contactos como este.

Não fico a pensar no assunto, sigo para onde toda a gente vai, que é lá que deve estar a bóia. Na primeira bóia já há gente agarrada às pranchas que fazem segurança… Olho para baixo e o azul profundo é lindo, como só quem conhece a beleza do mergulho sabe apreciar. Há um cameraman debaixo de água, e o cenário não podia ser mais sui generis…

Aproxima-se a 1ª saída da água, temos de sair com as ondas nas nossas costas, correr umas dezenas de metros na areia e voltar a enfrentar a rebentação para entrar na 2ª volta. Na 2ª volta as ondas ainda crescem mais, e no regresso a corrente é brutal. O meu GPS marcou 2000mts em vez de 1500… Mas saio da água contentíssima comigo própria. O 1º desafio já está e agora vou para onde me sinto melhor, no BTT!


Subo o relvado que dá acesso ao PT e monto-me na Epic mal passo a zona permitida. Extraordinário: o vento constante secou quase por completo o piso, apesar de ter chovido imenso a noite toda! Entramos nos primeiros single tracks que eu já conhecia do reconhecimento: desafiantes, curvas e contracurvas, raízes, subidas, sempre no meio de floresta fechada. Saindo dos singles, passo a dada altura numa poça e lamaçal enorme, sempre a andar, local que eu apelidei de “Vietname”! Estamos agora na parte mais alta do percurso, e o cenário é brutal! Há montanhas verdes em todo o campo de visão, ou não fosse a ilha de origem vulcânica. A parte mais alta é também aquela em que posso dar corda às rodas “top” que levo, a Epic voa como nunca e é só ultrapassar atletas, homens e mulheres. Não só o percurso nesta fase é plano, como começa a ter umas belas descidas. Novo “Vietname” à minha frente, já na 2ª metade do percurso, antes de uma bela parede que existe à frente, e prestes a entrarmos de novo nos single tracks. Quando dou por isso, já estou a chegar ao PT, com mais de 1000mts de desnível em cerca de 32kms.


De ténis calçados sigo para a corrida trail, que tem subidas que nunca mais acabam nos primeiros 3 ou 4 kms, pois é comum com o percurso da bicicleta. Mas espantosamente as pernas estão a funcionar bem. Há árvores atravessadas, troncos e raízes e é necessária muita concentração, mas ainda dei um tropeção sem consequências, para além do facto de ter sido ultrapassada!


Chego ao fim sem quase me aperceber, porque o percurso tem marcações em milhas e não em quilómetros! Entro no funil de meta, passo pela bandeira portuguesa a esvoaçar junto das outras, e quando corto a meta só o speaker estraga um pouco a minha alegria, quando anuncia o meu nome e diz que sou da Quinta do Conde, em… Porto Rico! Não faz mal penso, enquanto alguém me coloca uma medalha de “SURVIVOR” e um colar de flores havaianas ao pescoço.

Foto: João Boim

Atiro-me para o chão e descubro depois que sou a 7ª classificada do meu escalão! Top 10 no Campeonato do Mundo de XTerra… estou no paraíso e é como um sonho do qual não quero acordar!
Na verdade, quando acordei… estava na Costa Rica! A 2ª parte do sonho estava para vir…