SABIÑÁNIGO - município da província de Huesca, em Aragão, à porta dos Pirenéus.
QUEBRANTAHUESOS, ou abutre-barbudo (Gypaetus barbatus), é um abutre originário das montanhas da Europa, Ásia e África. Também é conhecido por abutre-das-montanhas, abutre-dos-cordeiros e quebra-ossos. O seu nome deve-se ao facto de atirar ossos e carcaças das suas presas, de grandes alturas, para os soltar e partir contra as rochas e assim poder ingeri-los para se alimentar. Ave de grande porte, atinge 12,5 quilos de peso, 1,10 metros de comprimento e 2,75 a 3,08 metros de envergadura.
COL DE SOMPORT - 1 640 mts de altitude;
COL DE MARIE BLANQUE - 1 035 mts de altitude;
COL DU PORTALET - 1 795 mts de altitude;
HOZ DE JACA - 1 254 mts de altitude.
Cols, cols e mais cols! E está quase tudo dito...
Mas esta é uma história que merece ser contada, não ao pormenor - porque para isso seria preciso lá ir para perceber - mas pelo menos resumidamente. Um resumo que irá forçosamente pecar por defeito...
Como é que poderei transmitir toda a emoção e diversão de uma viagem auto de 900kms com amigos sempre bem-dispostos e a rir??
Como é que poderei transmitir todo o ambiente espectacular que se vive na localidade nos dias que antecedem a prova? Os ciclistas e bicicletas que se vêem, de toda a espécie e feitio, nacionalidades, idades, capacidades, género, aspecto mais ou menos "pro", amantes e apaixonados pela bicicleta, aspirantes a bons lugares na classificação ou simplesmente gente que veio para desfrutar?
Como é que poderão perceber como é que foram precisos 20min, SIM 20 MINUTOS, até podermos COMEÇAR a pedalar? Devagar, bem devagar...
Como é que poderei transmitir toda a beleza do percurso? O serpentear das estradas montanha acima, montanha abaixo; a visão dos topos ainda nevados, as percentagens de inclinação que temos de superar, km a km, pedalada a pedalada?
Foto: Paulo Reis |
Como é que poderei transmitir a sensação de pedalar devagar, a bicicleta quase sem andar, suor que me escorre pelo rosto e cai nos olhos e arde, e cai no guiador, no GPS, nas pernas, nos sapatos, e me turva a visão e o discernimento? Mas no meio disto só oiço "Animo, animo campeona, no falta nada, venga, venga"!!!!!!! 1 kilometro, 1 kilometrito más, que no és nada"!!!!!
E como é que poderei transmitir o que é rolar a alta velocidade, "escoltada" pelos meus amigos Xmile, numa auto-estrada propositadamente fechada ao trânsito para o pelotão QH, de Sabiñánigo a Jaca, perto de 15kms de velocidades alucinantes, antes da aproximação ao 1º Col (Col du Somport)?
Pois, não é fácil.... e vocês que estão a ler, não estão a ver nada...
Não estão a ver o Helder PERDER literalmente um PEDAL no meio da loucura deste pelotão!!!
Não estão a ver terem de esperar que passasse quase todo o pelotão (estamos a falar de uns milhares de ciclistas) para ir à procura do pedal caído no meio da auto-estrada!!! E achá-lo! E "atarraxá-lo" ao crenque só com as mãos como ferramenta... e ter de ir assim com o "coração nas mãos" até ao 1º ponto de assistência mecânica oficial!
Entretanto, eu sigo a alta velocidade atrás do Luís, como torpedos, e ele leva-me cada vez mais para a frente. Até que uma paragem "técnica" forçada nos separou...
Entro na subida do Somport "sózinha", no meio de centenas de ciclistas. Vamos cruzar a fronteira Espanha-França no alto, e depois segue-se a descida vertiginosa, kms e kms de descida. No alto deram-nos jornais para colocar no peito, mas eu apenas puxo os manguitos para cima e aproveito tudo o que posso!
Cá em baixo já o calor começa a apertar... Apanho um bom grupo e sigo com eles até ao início da Marie-Blanque. E é aqui que começam as verdadeiras dificuldades. Ó Marie Blanque, Marie Blanque!
A estrada é pequena para tantos ciclistas que tentam desesperadamente não "descolar" do chão, não apear, não empurrar... As inclinações variam e algumas chegam aos 15%, 17%, 20%, outras nos 7%, 10%, numa extensão total de cerca de 8kms. Chego lá acima como todos: exausta! Está lá o 2º posto de abastecimento, cheio de gente, demasiada, mas impossível não parar. Há que repor, nutrição e hidratação. Benditas sanduíches e frutos secos! Chega de géis e barras!
Foto: Paulo Reis |
Mais uma descida vertiginosa. Nem a consigo aproveitar a 200% porque ainda estou meio abananada da Marie Blanque. No fim da descida há um espanhol que passa por mim numa Cervelo, roda de trás empenada (1 raio partido e 1 furo sofrido) e diz-me, sem eu lhe dizer nada nem sequer me colei à roda dele: "Venga, te llevo adellante", e aí fomos, de grupo em grupo, levou-me gratuitamente atrás dele até quase perto da subida do Portalet. Não estão a ver esta camaradagem, esta gentileza, esta solidariedade entre pessoas que nem se conhecem e nunca se viram mais gordas, pois não??
Já disse isto uma vez, e volto a dizê-lo: muita gente que faz "ciclismo" devia vir a estas provas... Faz bem. Faz bem à alma. Faz bem ao coração. Faz bem à humildade. E faz bem enfrentar o desconhecido sem medos, ou com medos... interessa é enfrentá-los, sair da zona de conforto, das estradas conhecidas, das subidinhas onde já sabemos que mudança meter!
O Portalet nunca mais acaba! É uma subida linda de morrer... e nunca mais acaba! E nunca mais se morre! É uma espécie de morte lenta... mas eu estou bem viva! A arfar mas bem viva! O meu suor não engana...
A provação não me impede de apreciar a vista: não há adjectivos! Penso em muita coisa, penso no Helder e no Sérgio, pois não sei ao certo o que se passou com a bicicleta... mas sobretudo penso no Paulinho... O Paulinho está certamente a sofrer... e eu também! Só penso que ele é que é um herói...
Acaba a subida, de mais de 20 kms, e ainda consigo dar uma aceleradela, animada pelo público. Aqui saímos de França e entramos de novo em Espanha. Vem mais uma descida alucinante, passando pela estação de esqui de El Formigal. Há um abastecimento e não há como não parar. Para deitar fora os líquidos quentes e encher com outros fresquinhos. Que maravilha!
Resta uma subida, já em território espanhol de novo: Hoz de Jaca. É curta (3kms) mas naquela fase mais parecem 10 kms!
Não consigo passar por nenhuma rapariga sem lhe dirigir eu própria uma palavra de "Animo". São muitas, de todas as idades, dá gosto ver.
Após o alto de Hoz de Jaca há um abastecimento líquido Maxim que me trouxe de volta à vida! Fresquíssimo! O senhor da Maxim lembrava-se de mim, da Feira... Vamos lá, que está quase!
Agora é sempre a descer... mas no fim vê-se uma subida, e quase que desfaleço ao pensar que afinal ainda há mais uma!!! Mas o público trata de nos sossegar, que é só um "repecho" sem importância, e que logo a seguir é a direito. E era! Graças a Deus!
Entramos na ponta final. Estrada plana, piso a pedir velocidade. Junto-me a mais um grupo, de umas 20 unidades, e vai tudo a puxar, à vez. Estão aqui alguns elementos com quem já tinha rolado, conheço o andamento deles. Aparece a placa que indica "Sabiñánigo - 10kms", yes!!!!!!!
Pedalamos como se não houvesse amanhã! Mas o QH ainda nos reserva uma pequena surpresa: há que sair da estrada principal e ainda apanhar uma subida curta, sem grande expressão, mas que ali naquele momento foi uma autêntica parede para mim! Gastei os cartuchos todos naqueles kms a rolar forte. Aguento-me, e depois já estamos no percurso urbano que conduz à meta.
Passa uma rapariga por mim, e eu vou atrás dela. Passo-a de novo, e andamos nisto. A meta está à vista. Acelero, encosto-me a ela e desafio-a para um sprint. Ela alinha, e aí vou eu, ela está sem gás!
PROVA SUPERADA! 199kms entre as montanhas e o céu! 8h10 de puro ciclismo e de ciclismo puro.
Dou os Parabéns à minha parceira de sprint e ficamos um pouco à conversa. Isto sim, é fair play e entendimento.
Citando João Garcia: "São as pessoas que fazem os lugares". Fui Feliz em Sabiñánigo! Os amigos fizeram este lugar e foram eles que fizeram a minha felicidade.
Sejam felizes!