quinta-feira, 8 de agosto de 2019

NORSEMAN EXTREME TRIATHLON 2019 - This is Not for You...

No passado dia 03 de Agosto escalei o meu oitavo 8.000… Este 8.000 não é um 8.000 qualquer.... Foi o Evereste, o mais alto, o mais respeitado, o mais perigoso e o mais cobiçado dos 8.000. Fiz cume e desci…. É preciso descer, e não ficar lá… descer, nesta metáfora, equivale a trazer a ambicionada t-shirt preta, a 1ª t-shirt preta com corte feminino em Portugal e a 2ª da Península Ibérica.


NOTA PRÉVIA:


"Todos nós, quer sejamos guerreiros quer não, temos um cm3 de oportunidade que de tempos a tempos surge diante dos nossos olhos. A diferença entre a pessoa comum e o guerreiro é que o guerreiro tem noção disso e mantém-se atento, intencionalmente expectante, para poder aproveitar esse cm3 de oportunidade sempre que ele surgir." (Carlos Castañeda, escritor e pensador peruano)

Agarrei este cm3 de oportunidade com unhas e dentes quando me propus a tentar conquistar a “slot” para esta prova mítica numa competição da plataforma Zwift, que teve lugar exactamente no dia em que a prova se realizou em 2018. Nesse dia 04 de Agosto de 2018, uma onda de calor estava a invadir o país, e eu como tinha um treino longo de bicicleta para fazer, quis evitar a desidratação e decidi fazer o treino indoor, tendo-me então juntado a esta competição virtual para tornar o treino menos monótono. Também constatei que a Zwift faria uma escolha entre todos aqueles que completassem o desafio de 90kms com 2000mts de desnível positivo (subida do Alp du Zwift incluída, a qual replica a mítica subida ao Alp d’Huez) em menos de 3h30, sendo o prémio para os sorteados 2 entradas no Norseman, uma para masculinos e outra para femininos. 

Completei o desafio em 3h26!!! (link para a actividade do Strava aqui).

E nunca mais pensei no assunto…


Umas semanas mais tarde recebi um e-mail da Zwift a dizer que eu preenchia as condições e podia ser contemplada… E a confirmação veio uns dias mais tarde! “Filomena Gomes, Welcome to Isklar Norseman Xtreme Triathlon”!



Já agora: “Ninguém te viu trabalhar duro, mas pelas costas vão falar que foi sorte.” (autor desconhecido)


PREPARAÇÃO:

Começou no dia 01 de Janeiro de 2019… e nunca mais parou! Foram treinos bi-diários todos os dias, com raras excepções, que culminaram com 200 dias de treino (e praticamente 400 sessões) no dia da prova, a 03 de Agosto de 2019! Os únicos dias em que não treinei foram derivados de lesões, doença (constipações, gripes) ou dias de viagem.


A nível de lesões, e tal como diz o meu Coach Diogo Custódio, “não conheço ninguém que treine para um Ironman e que não tenha dores ou lesões”. E claro, também as tive: em Fevereiro/Março andei a tentar treinar com uma lesão no isquiotibial esquerdo. Até que tive de dar descanso e tratar a lesão. Depois no início de Junho, no dia após o X-Terra da Golegã, instalou-se descaradamente algo que já vinha a sentir há uns dias: uma forte dor no grande dorsal direito, cujos sintomas eram muito parecidos com os de uma costela fracturada.. só que não! Esta lesão não me deixou nadar durante 2 semanas, sempre que tentava piorava. Na 1ª semana, por não conseguir respirar fundo sem dor, também foi quase impossível correr ou pedalar, pelo que foram dias de muita angústia, o tempo a passar e eu sem poder fazer grande coisa. Após a retoma, a minha natação ressentiu-se muito, e a frustração era diária, mas tudo haveria de se compor a seu tempo.

Não faz propriamente parte do capítulo do treino, mas sim da preparação no seu sentido mais lato: escolher uma “crew”, peça fundamental sem a qual eu não poderia cumprir o Norseman.

Isto porque a prova é totalmente “unsupported”, querendo isto dizer que não é fornecido qualquer abastecimento aos participantes e que estes têm de ter a sua própria equipa de apoio (com um mínimo de 1 elemento e máximo de 2), que faz paragens a espaços e pode fornecer hidratação, nutrição, trocas de roupa, ou o que for necessário ao atleta. “You can’t do it alone” é uma das frases mais associadas ao Norseman, e é realmente assim porque, inclusive, é mandatório que na subida à montanha onde está colocada a meta, o atleta esteja acompanhado de pelo menos 1 elemento da sua equipa, por razões de segurança.

Dito isto, a equipa de apoio é imprescindível e tem um papel crucial na forma como a prova se desenrola. Assim, é preciso ser alguém que consideremos ter o perfil adequado para desempenhar tal tarefa, de preferência alguém que conhecemos bem, e idealmente até que conheça a prova ou que já a tenha feito, quer como atleta quer como assistência.

Após algumas tentativas falhadas para formar a minha equipa de apoio, acabei com uma equipa de sonho: o meu amigo João Pombinho (aka IronPigeon
que fez a prova em 2018, e a sua companheira Andreia Estrela, que lhe deu apoio em 2018. Que mais poderia desejar??

PRÉ-PROVA:

Treino feito, perfeita sintonia entre a equipa de apoio e aqui a atleta, viajámos na madrugada de dia 31 de Julho para Oslo, via Londres.

A viagem não foi isenta de problemas… Na verdade, passámos praticamente o dia inteiro no aeroporto de Londres – Stansted, de onde só conseguimos sair cerca das 19h00 mediante a compra de nova passagem aérea de Stansted para Oslo, onde aterrámos cerca das 22h30. Tudo isto é da responsabilidade da agência online “Kiwi”, que fica na lista negra para sempre e que desaconselhamos vivamente. Sem mais comentários, ou esta crónica não teria fim…

Chegados ao nosso alojamento em Oslo cerca das 00h30, devido à deslocação em transportes públicos, restou apenas dormir (pouco), após um dia que tinha começado às 03h30 da madrugada. Não é o cenário ideal para quem vai fazer uma prova desta envergadura, mas…. Siga!

Dia seguinte, levantamento de viatura em rent-a-car: mais um filme. O rent-a-car, para usar a expressão do Pombinho, era no “Cacém” lá do sítio… “Oslo xpto downtown”… Mas afinal o xpto era o Cacém, e o downtown não era o de Oslo mas o do Cacém! :-P


Meia manhã consumida para lá chegar, mas ao menos saímos de lá com a melhor viatura que nos podiam ter dado para esta tarefa: este monovolume onde cabia tudo e mais alguma coisa!





Sabíamos que tínhamos uma viagem de pelo menos 300kms de Oslo (neste caso do Cacém lol) até Eidfjord, o local onde seria a partida e onde estava sediado o secretariado para fazermos o registo na prova e receber a documentação. Trata-se de uma estrada nacional e a dada altura torna-se uma estrada de montanha que conduz a Eidfjord, pelo que foi uma viagem feita na velocidade permitida e ditada pela fluidez do tráfego automóvel, com uma paragem para almoço. Chegámos a Eidfjord às 17h30. O registo nesse dia fechava às 18h, embora reabrisse também no dia seguinte de manhã. 

Registo feito, dorsal na mão, pulseiras nos braços e eis que a coisa se estava a tornar real!



Eidfjord é um local pacato, pequeno, lindíssimo, e a 1ª visão do local onde iria nadar e a dimensão das montanhas em que o fiorde está entrincheirado, é esmagadora! Não conseguia acreditar que estava ali…



Compras de víveres no supermercado local, e toca de seguir viagem, cerca de 40-45min, até ao local da nossa bela moradia no alto do fiorde, em Ulvik. Pelo caminho, túneis imensos com rotundas dentro dos mesmos, iluminadas por umas luzes azuis que tornavam o cenário subterrâneo muito bonito. Engenharia e arquitectura no seu melhor!



A nossa moradia tinha 2 pisos e estava lá um outro casal/equipa que também ia participar. Na varanda com vista para o fiorde, montámos a bicicleta enquanto conversávamos com eles, e desfiz a bagagem pela 1ª vez após tão atribulada viagem.

Dia seguinte, 02 de Agosto, véspera de prova, passámos o dia em Eidfjord: havia briefing obrigatório às 15h45. Levámos a bicicleta para verificar apertos, acertar a pressão dos tubulares, testar mudanças, dar um trote e... antes disso tudo, não podia faltar o mergulho obrigatório nas águas do fiorde! Estava bom tempo, molhei as mãos e o rosto e, apesar de ver todos ali de fato de neoprene, resolvi não molhar o fato! Andava há várias semanas a nadar sem fato em Portugal, não era agora na véspera da prova que ia molhar o fato, e não queria ficar demasiado confortável. Depois disso, mais seguiram o meu exemplo!



Nadei uns 750mts, fui à bóia que iríamos contornar e voltei. Deu para sentir um grau de salinidade engraçado: a água não era totalmente doce, mas também não era muito salgada… era só um bocadinho salgada, muito ligeiramente, porque a entrada do fiorde está ainda longe dali.



Ao subir a plataforma de acesso à água, estava lá o Richard da Zwift, com quem tinha combinado encontrar-me para recolha de imagens e algumas palavras. Afinal, sem a Zwift eu não estaria ali! E o Richard era um verdadeiro gentleman e que estava legitimamente interessado em como a prova me iria correr.

Almoço, café (aii que ressaca do bom café “tuga” que não pude beber!!) e a minha crew atirou-se a uns gelados home-made que estavam com um aspecto…. Mas eu não podia, nada disso antes da prova.

O briefing foi num pavilhão, começando com um vídeo referente à edição de 2018, seguido das indicações necessárias para a nossa prova, tudo apresentado pela Directora de Prova.




Após o briefing foi a corrida aos 2 supermercados locais para compra de víveres e de garrafões de água para a prova. Os garrafões esgotaram em menos de nada.… Apressámo-nos a regressar a Ulvik, pois havia que preparar tudo para a prova, tentar jantar cedo, adiantar tudo para fazer check-out de madrugada porque a prova sendo em linha, iria acabar a pelo menos 220 kms dali! O nosso alojamento seria noutro lugar.

Com tanto que fazer, jantar e fazer a mala também, quando fui tentar dormir eram já 22h30, e teria de me levantar no máximo às 02h da manhã…

PROVA:

Não preguei olho as poucas horas que estive deitada. O despertador tocou às 02h mas eu não precisei dele. Tinha de comer 3h antes da partida, pelo que foi logo o que fiz. O meu pequeno-almoço para provas longas consta de uma espécie de tortilha de arroz, tem tudo o que é preciso, e dou-me muito bem com esta solução.



Meter tudo no carro e viagem para Eidfjord, programada para que chegássemos cerca das 03h15, bem no meio da janela de tempo em que o Parque de Transição 1 estaria aberto (2h45-3h45): Bicicleta (com luzes obrigatórias), capacete, sapatos e equipamento de prova para vestir quando saísse da água.

O ferry já lá estava, intimidante, enorme… Teríamos de entrar no ferry até às 04h, às 04h o ferry partia. Bebi um café que a organização disponibiliza em grandes jerrycans, para participantes, mas também para as equipas de apoio levaram em thermos fornecidos pela organização. Vesti o fato antes de entrar no ferry e levei um saco identificado que seria depois recolhido pelo staff e devolvido ao meu apoio com aquilo que iria descartar. Antes de embarcar, lá estava o Richard para fazer umas fotos, e a minha equipa que esteve sempre comigo até entrar no ferry.



(Photo: Richard Melik)

A bordo respirava-se um certo nervoso miudinho. Eu estava bastante calma, nenhuma ansiedade. Procurei um sítio no convés para me sentar no chão e encostar à amurada, enquanto ia bebericando água. Soou o apito de largada e lá fomos nós. Quase não se sentia a deslocação do navio, era muito suave. Cerca das 04h20 montei os meus elásticos “stretch cordz” no corrimão de uma escada e fiz 3x30 braçadas em jeito de aquecimento, antes de anunciarem que quem quisesse molhar-se já o podia fazer. Estava um elemento do staff no convés superior com uma mangueira e um difusor a largar água cá para baixo. Eu fui ao duche, estar sequinha antes de me atirar à água não me parecia boa ideia!

Às 4h45 seria hora de saltar para a água. Alinharam os atletas do XTri World Championship (toucas verdes) à frente, e que saltariam 5min antes de nós, e também partiriam 5min antes dos outros. Eu posicionei-me logo atrás, entre os primeiros das toucas amarelas do Norseman. Queria ser das primeiras a sair, apenas porque não queria ficar ali muito tempo. Estava calmíssima, visionei tantas vezes aquele momento que ele já era mais do que familiar, nada de extraordinário. Dito isto, era bastante alto sim! Coloquei uma mão sobre os óculos para estes não saltarem e a outra ao longo do corpo e atirei-me de pés. Pummmm! Demorei um bocado a vir ao de cima, porque o salto, sendo alto, leva-nos bastante para baixo. Pronto, já cá estou, eu e mais uma data deles! Não houve choque térmico, a água, a meu ver, estava a uma temperatura bastante boa, o meu fato térmico também para isso contribui, mas havia gente com balaclavas, meias de neoprene e sei lá mais o quê!




Nadámos em direcção aos kayaks, junto à costa, que serviam de linha de partida, havia outra linha de partida para os atletas das toucas verdes. Ficámos à espera da partida deles, eram muito menos, seriam uns 20 ou 30. Mas estava uma calmaria, nenhuma algazarra, nenhuma confusão, tudo na mais absoluta tranquilidade. Podíamos agarrar-nos aos kayaks enquanto esperávamos, e foi o que fiz, máxima poupança de energia. Já não estava escuro, o dia estava a começar a clarear.

- NATAÇÃO:

Soou a partida das toucas verdes e nós alinhámos junto aos kayaks. 5min depois, às 05h em ponto, soou a nossa partida. Começou! Primeiras braçadas vigorosas, para dar “élan” ao movimento e tentar posicionar-me o melhor possível, não ficar cá para trás. Pouca confusão, algum contacto, como é normal, mas sem os atropelos e exageros habituais em provas doutra natureza.

(Photo: Richard Melik)

 Tento imprimir o meu ritmo, fazer avistamento regular para não desviar a rota, fui ganhando umas posições, mas sem grandes pressas, havia muito que nadar! Braçada a braçada, a coisa estava a fluir. Nada de hiperventilações nem nada do género. Vibra o Garmin para os primeiros 500mts (é assim que o tenho programado) e ainda não tínhamos dobrado o cotovelo que nos permitiria ver Eidfjord ao longe, e supostamente a fogueira gigante que acendem na margem para nos indicar a direcção. Passaria muito tempo até que conseguisse ver a tal fogueira… Que engraçado, a suposta fogueira gigantesca ao longe não era mais do que uma luzinha minúscula, mas estava lá!

Sentia-me bastante à vontade e percebi que estava a correr bem quando comecei a apanhar atletas das toucas verdes, que tinham saído 5min antes de mim!!! Das duas uma, ou eles estavam com problemas, ou eu estava a nadar bastante bem…

 Chegados à boia que tínhamos de contornar, já em Eidfjord, agora era só apontar aos cais onde o ferry estava atracado de manhã e sair. Estavam elementos do staff para ajudar a saída, eu não precisei, mas estava mesmo ao meu lado a directora de prova a ajudar os atletas.

 Carrego no botão da Transição e foi quando pela 1ª vez vi o tempo do segmento enquanto corria para a T1, 1h08, wow! Feliz! 

Lá estava o Pombinho para me ajudar. Fato fora, toalha à volta, sacar bikini, vestir roupa de prova, que não quer deslizar devido à pele húmida, colete reflector obrigatório, calçar meias e sapatos, protector solar no rosto, capacete, ligar luzes.. são transições mais demoradas que o habitual, mas não há que stressar, esta prova não é igual às outras.



- CICLISMO:

E lá montei e me fiz à estrada. Não gosto de começar rápido numa prova assim longa. Tenho de me instalar na nova forma de locomoção, entrar no ritmo, escolher as mudanças adequadas e aquecer. Começamos em plano e passamos para uma estrada secundária, antiga, adjacente à principal, onde passamos vários túneis curtos. A estrada é velha, muito esburacada, e já tem uma ligeira pendente. Vamos andar a saltar da estrada velha para a nova (onde a organização controlava o trânsito, sem necessidade de polícia nenhuma) algumas vezes, e sempre a entrar e a sair de túneis. Daí a necessidade das luzes. A pendente começa a inclinar cada vez mais. Mas eu olhava para o meu lado esquerdo e o cenário era esmagador! À medida que subíamos eram gargantas gigantescas com quedas de água e o som da mesma a correr. O caminho ia serpenteando sempre para cima, sabia que desde o início da bike e durante praticamente 2h seria sempre a subir, com inclinações que variavam entre os 4 e os 8-9%. O tempo estava encoberto, caía uma humidade que molhava bastante e não estava calor nenhum, mas em subida não incomoda muito. A dada altura tínhamos de seguir durante uns bons 3 ou 4 kms sempre em túnel da estrada principal, onde circulavam carros, camiões (não muitos) e bicicletas. Mas como tinha 2 faixas em cada sentido, era seguro, embora algo claustrofóbico e barulhento.

Durante toda a prova era ver os carros das equipas de apoio a passarem por nós, com o autocolante amarelo na traseira, com o número do participante. Quando podiam, filmavam o seu atleta, fotografavam ou davam palavras de incentivo, mas só durante breves segundos e onde não perturbassem ninguém. Estava combinado que eu só teria apoio no topo da subida, cerca do km 40, em Dyranut. E lá estavam o Pombinho e a Andreia, com os bidons de abastecimento para me dar, mas eu tinha absolutamente que ir ao WC, e fui ao café onde estava a zona de abastecimento, mas fiquei chateada por ter de estar à espera alguns minutos… Quando saí, vesti um colete, manguitos e luvas para me preparar para a descida e disse até logo à minha crew. E foi a partir daí que o meu joelho direito resolveu dar sinal de vida…



Descemos muito tempo e depois era um ondulado constante até Geilo, onde virávamos à direita antes de enfrentar as próximas subidas. Logo a seguir à viragem, estava a minha crew, ao km 90, sensivelmente. Aí soube que estava na posição 180. Foi o que precisei de ouvir. Se desde o km 40, quando fiz a paragem para abastecimento e WC, tinha vindo a controlar uma dor inexplicável nas partes moles do joelho direito, agora não ia poupar coisa nenhuma! Tinha de ganhar posições e era nas subidas, o meu terreno de eleição, e onde eu sabia que os outros com as “cabras” não iam conseguir subir como eu, do que já tinha visto. Dei corda aos pedais, resolvida a partir a loiça toda!

Metro a metro e km a km de subida, eu ganhava posições. Contei uns 17 ao longos dos 3 topos seguidos que havia antes da última grande subida. Nas descidas perdia algumas posições apenas para os grandes “armários” que desciam com a inércia do seu próprio peso. Mas logo depois “morriam” numa subidinha qualquer. O joelho nunca parou de se queixar, mas eu mandei-o à fava, ele não ia porque não gosta de favas, mas eu ignorei-o o tempo todo.



Os abastecimentos era só trocar os bidons e seguir sem mais demora. Após a última subida, duríssima, era descer, descer, descer até ao PT2, num dos troços que tinha grande cotovelos em descida a minha aposta numa bike de estrada com discos foi claramente acertada, porque a segurança na travagem e o ganho por me poder colocar nos drops, eram muito superiores a uma bike de CR.

(Photo: Richard Melik)

Chego ao PT2 e o Pombinho levou-me logo a bike e acompanhou-me até à Andreia. Troquei de meias, enchi o cinto de dorsal e os bolsos do jersey com alguma nutrição previamente preparada, garrafa de água na mão, passo o tapete, um elemento do staff mostra-me o número 163, e eu saio para a perseguição ao número 162. 



- CORRIDA:

Ao sair para a corrida tomei consciência de que estava bastante calor. Isso jogava a meu favor. O Pombinho bem me disse “vais vê-los a cair”. Eu não estava muito segura porque receava cair eu primeiro, ou o meu joelho recusar-se a colaborar, mas acho que o ignorei tanto que ele se calou!

Apanho um. 162 “and counting”. Vem um de trás e passa-me. Mau, estamos na mesma. Depois apanho outro, mas tudo isto em câmara lenta, eu a vê-los e parecia que nunca mais lá chegava. Depois um que parecia estar no mesmo ritmo que eu porque conseguia aproximar-me, começou a caminhar para receber abastecimento e eu passei-o. 161! Pelo meio apareceu o Richard que me tirou mais umas fotos e me dava ânimo, e dizia “you look good”! Depois comecei a ver ao longe uma rapariga muito empenada e percebi que ia ser “fácil” passá-la, ela era o meu “target”, a nº 160! Passou a minha equipa no carro, perguntavam se estava bem, e eu para poupar energia só apontava para ela! Demorou porque havia uma subida da treta pelo meio, que naquela fase parecia uma montanha, mas depois apanhei-a.… e nunca mais a vi!

(Photo: Richard Melik)

Agora só queria não ser mais ultrapassada, e ir ultrapassando quem pudesse. Aquele sol de chapa estava a ajudar-me e a dificultar a vida aos outros, que iam parando para receber abastecimento, esponjas, e já não conseguiam voltar a correr, caíam que nem tordos! Eu decidi que parar jamais, posso correr devagar, mas nunca parar! Apanhava as garrafas de água e os flasks que a equipa me preparava com gel, mas houve um momento em que estava a ser difícil ingerir gel, pelo que me fiquei pelas pastilhas “Perpetuem” (disso falarei noutro capítulo). E assim, pasito a pasito, superei a parte que mais me custou, que foi entre o km 7 e o 13-14. Nesse intervalo, o Tico mandava-me caminhar um bocado, mas o Teco dizia-me para não parar e perguntava-me se queria mesmo aquela camisola preta... este diálogo foi-se desenrolando na minha cabeça, e eu só queria dar ouvidos ao Teco, não queria nada com o Tico. Eu respondia que queria aquela camisola, nem c’a vaca tussa, que foi o que o Pombinho gritou do tejadilho do carro, encomendadas pelo meu amigo “Mumu”!

Por alturas da meia-maratona, eu já tinha uma folga bastante boa, e quando o meu carro passou mais uma vez, eu perguntei quanto faltava para a Zombie Hill, onde eu sabia que ia caminhar, e eles responderam só mais 3/4kms. Foi música para os meus ouvidos! Sabia que ia conseguir, eu ia conseguir, a não ser que algo de muito errado acontecesse. Aguentei, e quando me aproximo do km 25, vejo o Gaustatoppen ao fundo, no topo de uma montanha, o que me parecia ser a kms e kms de distância, e era ali que ainda teria de ir…



E no tão aguardado km25, lá estava o Pombinho já equipado de mochila, com abastecimento para mim, e pronto a acompanhar-me Zombie Hill acima. Havia uma pequena tenda da organização, e um elemento mostrou-me o nº 145!!!! Eu tinha ultrapassado 18 atletas na corrida!

Quando efectivamente começámos a caminhar e deixámos de correr devido à inclinação, disse ao Pombinho que tê-lo ali comigo era um alívio, pois deixar de estar sozinha ao fim de tantos kms era uma energia preciosa. Ele disse-me que sabia exactamente o que isso era…



Fomos caminhando paulatinamente, “step by step”, a tentar não abrandar demasiado, embora a margem que tínhamos fosse grande. Tentava alargar os passos, mas mesmo assim, houve alguns atletas que nos ultrapassaram. Mas onde é que eles vão com tanta pressa se estão nos 160… A dada altura, passa de carro um amigo norueguês do Pombinho, o Tom, grande festa, “Go Portugal”, estacionou mais à frente e veio a pé ter connosco e fez questão de nos acompanhar um pedaço. Às tantas vira-se para mim e diz “I’ve heard a lot about you” e eu “Oh yeah? How come?”, e ele “Yes, from Nelson, Nelson Picado”. Nesse momento fez-se luz, o Nelson era meu conterrâneo da Margem Sul e há uns anos atrás pegou na bike e foi em autonomia Europa acima até à Noruega e de lá nunca mais saíu. E eu disse “Oh I know, he’s a trucker now and he lives here in Norway”, ao que ele respondeu surpreendentemente “Yes, I’m his boss”!!! Como o mundo é pequeno!!!

Depois de ficarmos os dois, colámo-nos a uma dupla que passou por nós a bom ritmo, e acertámos o nosso passo pelo deles, para não perdermos mais terreno. Mas estava tudo controlado. Aproximávamo-nos do cut-off dos 32.5kms, que seria para mim a meta real, a partir dali já não interessava em que lugar ia ficar, já tinha a minha black t-shirt garantida! Chegámos lá juntos na posição 150, mas que belo número! A Andreia recebeu-nos, a própria Directora de prova recebeu-nos com um grande “Congratulations”, ofereceram-nos líquidos e algum abastecimento (os únicos pontos onde os havia era este e no início da subida à montanha) e eu relaxei a ponto de fazermos directos para o Facebook, fotos, áudios, whatever.


O passo seguinte era continuar a caminhar na descontra até ao km 37.5, onde seria o início da ascensão a Gaustatoppen, a montanha a 2.400mts de altitude onde estava colocada a meta do Norseman. Para sermos Finishers tínhamos de lá chegar, embora não importasse muito quanto tempo demorávamos, pelo menos para mim. A partir daqui temos de ir de mochila, com certo material obrigatório para o caso de algo correr mal ou as condições mudarem: comida, líquidos, abafos, manta térmica, luz frontal, telemóvel fazem parte da palamenta. Convencemos a Andreia a ir connosco, a melhor crew tem de acabar junta!



Mal coloquei o pé direito nos primeiros calhaus vi que ia ser penoso… O meu joelho boicotou pura e simplesmente e disse “chega”! Portanto, na autêntica “pedreira” que era aquela ascensão, onde só cabras montesas habilidosas pareciam ser capazes de progredir a bom ritmo, eu tinha de regular os meus passos de maneira a colocar sempre a perna esquerda para me alavancar e só depois a direita pois o joelho não aguentava o peso. E assim foi, pasito a pasito, pausas para fotos, para descansar, para corrigir rota, para admirar a paisagem que era simplesmente brutal! E o topo que parecia estar tão perto e tão longe ao mesmo tempo…


Pelo caminho cruzávamo-nos com imensa gente que só dizia “Well done”, “Good job”, num gesto de admiração e incentivo. Também nos cruzámos com o Richard, que tinha subido e já vinha a descer quando nos encontrou. Ele fez mais umas fotos e deu palavras de inventivo e disse “we’re so proud of you Filomena”. E eu com o joelho a guinchar não me sentia lá muito especial, mas era temporário!


Quando nos aproximamos do topo, há pela 1ª vez uns degraus feitos com lajes de pedra. Saquei da Bandeira Nacional, estendi-a às costas e ergui-a com orgulho enquanto subia os últimos degraus e cruzava a meta! Já está, I’m a NORSEMAN Finisher!!! Atrás vinha o Pombinho e a Andreia, trocámos abraços e o staff deu-me uma manta (não precisei dela) e uma espécie de “Royco cup-a-soup”, lembram-se? Um caldo quentinho com coisas lá dentro, e uma fatia de pão que me souberam pela vida!


Logo que terminei fomos para dentro do café/snack-bar que lá havia, recompusemo-nos um bocado, e a parte seguinte revelar-se-ia uma autêntica estopada, eu já sabia mas confesso que não pensei que fosse demorar tanto.


PÓS- PROVA:

Para sair da montanha, havia que apanhar um funicular do tempo de 1900 e troca o passo, muito rudimentar e que só levava umas 15-20 pessoas de cada vez. Ainda havia que trocar a meio, enquanto o outro voltava para cima. Estavam dezenas de atletas e respectivas crews lá em cima, e cada vez chegavam mais. Por aqui se percebe melhor a razão de haver um corte no nº 160…

Estivemos mais de 1h à espera. Os atletas tinham prioridade e podiam passar à frente, mas isso não faz qualquer sentido porque estava com a minha crew e nem iria a lado nenhum sem eles! Quando finalmente descemos (estava um frio incrível debaixo da terra, vesti tudo o que tinha na mochila), e ainda havia que apanhar um shuttle até ao carro, eram umas 23h!!! O que me valeu foi uma saqueta de recovery que tinha posto na mochila e tomei, porque estava claramente fraca, tirando o caldo da meta eu desde as 02 da madrugada que não comia outra coisa que não gel e Perpetuem líquido e em pastilhas.

Para resumir, chegámos ao nosso alojamento após uma viagem de quase 1h, seriam 00h30, e acabámos de jantar à 01h da madrugada…. O dia do Norseman se não tem mais de 24h, parece!

Podem ler a seguir um breve resumo da minha nutrição, material e as pessoas/entidades sem as quais eu não teria conseguido fazer o que fiz (já sei que vão querer saltar isso tudo, mas por favor leiam, algumas dessas pessoas vocês conhecem), mas termino com estas palavras de Mahatma Gandhi, a meu ver ajustadas aos meses que este projecto levou até se concretizar:

YOUR BELIEFS BECOME YOUR THOUGHTS, YOUR THOUGHTS BECOME YOUR WORDS, YOUR WORDS BECOME YOUR ACTIONS, YOUR ACTIONS BECOME YOUR HABITS, YOUR HABITS BECOME YOUR VALUES, YOUR VALUES BECOME YOUR DESTINY.”

Estas não são de Gandhi, mas não são de somenos importância:

DO THE NORSEMAN AND BRAG FOR THE REST OF YOUR LIFE! 


EPÍLOGO:

You can’t do it alone” é uma frase mais que justa mas claramente insuficiente para exprimir o quanto a “support crew” é indispensável e valiosa. Do ponto de vista logístico, ela é imprescindível para poder participar no Norseman, mas é muito mais do que isso: na plena acepção da palavra “apoio”, eles foram o meu ombro amigo, a minha “almofada” de conforto, o meu alter ego que lia os meus pensamentos, necessidades e estados de alma. Tudo o que eu possa escrever não lhes faz justiça, mas publicamente mais não posso fazer do que escrever estas breves linhas e agradecer-lhes de todo o coração o que fizerem por mim: João Pombinho e Andreia Estrela, vocês foram e são estrelinhas no meu céu, bem hajam pela amizade e pela paciência!


 E se sem eles eu não poderia ter feito a prova, tão pouco teria tido sucesso sem um planeamento cuidado e fundamental do meu treino, adequado ao objectivo. A OntriSports, na pessoa do Coach Diogo Custódio, foram a chave da minha “performance”. Eu não teria chegado na forma que cheguei ao Norseman, tranquila e preparada para tudo, se não fosse o plano de treinos que tive, exigente, duro, consistindo em horas semanais de treino que variaram entre as 15-17h e as 20-22h. Foi duro, muito duro, mas “train hard, race easy” adequa-se que nem uma luva a este tipo de desafio, porque o que custa não é tanto o dia da prova, são meses e meses em que não fazes mais nada senão treinar, comer e dormir (pouco), mas além disso ainda tens de trabalhar e fazer as tarefas domésticas que ninguém faz por ti. Por isso Coach, obrigada…. Obrigada por seres duro comigo, “aturámo-nos” mutuamente longos meses, e construímos uma relação de confiança em que ambas as partes têm de estar de alma e coração. Bem hajas!


E em complemento do meu treino, eu não seria a atleta que sou hoje, comparado com há 1 ano atrás, se não fosse o meu PT João Carlos. O João pegou em mim e, a par das mudanças alimentares, transformou uma boa parte da minha massa gorda em massa muscular, o que não só optimizou o meu peso como me deu uma força que eu não tinha, adaptada a nível funcional à prática das 3 modalidades. És um profissional de excelência, e por isso te devo esta minha transformação. Obrigada João!


Sem recuperação não há treino, só fadiga acumulada. Pois bem, sem a massagem semanal do Victor Carapelho, VITSS – Terapia Desportiva, eu não conseguiria treinar como treinei. Dores musculares, pequenos “toques” que vão surgindo todos os dias, o Victor tratava disso tudo e prevenia muita coisa, com técnicas não só de massagem como também de libertação miofascial e outras. Bem hajas Victor, quase sempre disponível para os meus horários, um tempo sempre bem passado de descompressão que em muito me ajudava.



Um agradecimento também ao muito especial Alberto Chaíça, fisioterapeuta de formação, mas muito mais do que isso, além de ex-maratonista. Quem o conhece sabe do que é capaz: entras com uma lesão grave que não te deixa fazer nada, e sais de lá pronto para ir treinar a seguir! Só o Chaíça!

E por fim, à Zwift e ao Richard Melik, pela oportunidade, pela gentileza e por se terem importado com uma pessoa banal que tudo fez para honrar a oportunidade!



MATERIAL:

Os meus apoios materiais foram uma peça fundamental nesta aventura. Se eu ia fazer a prova de Triatlo longo mais “extreme” do mundo, eu queria o melhor material do mundo para a fazer nas melhores condições possível!

Começando pela bicicleta, eu precisava de uma que tivesse travões de disco, e eu não tinha. Bati a várias portas, algumas de marcas de que sou cliente há muitos anos… Houve uma marca que acreditou em mim, uma marca de que não era cliente e passei a ser: a Merida Bikes, neste caso a Merida Bikes Portugal, através da loja Bike Planet, disponibilizou-me a bicicleta ideal para este desafio: uma Merida Reacto 4000 Disc. A Reacto carregou-me durante longos meses de treino e depois eu levei-a a passear pelos fiordes e montanhas da Noruega. Ela adorou, mas eu ainda a adorei mais! Obrigada Merida Bikes Portugal, obrigada Bike Planet. Esta também é para vocês!

Se um apoio para a bicicleta foi inicialmente difícil, o apoio para as rodas era garantido. A Speedsix Wheels está do meu lado há vários anos e sempre me apoiou. Desta vez não foi excepção: as rodas EVO Tubular 45 Disc desempenharam o seu papel na perfeição, nem um furo em tantos meses de treino e provas, nem um raio empenado, só velocidade e resistência. Obrigada Speedsix e Speedsix Portugal, por me apoiarem há tantos anos. Em equipa que ganha, não se mexe! 


Com um “Porsche” destes nas mãos, eu queria tirar o máximo partido da bicicleta, também para evitar lesões e perdas de energia. O Ricardo Furtado da Alpha CyclingClub, através do sistema Retul Bike Fit é um dos melhores profissionais que conheço nesta área, e foi a ele que recorri. Além disso, é um amigo, e de pronto se disponibilizou a apoiar-me neste projecto. Obrigada Ricardo/Alpha Cycling Club, eu e a bike fomos um!


E para finalizar, antes de passar à nutrição (aposto que querem saber tudo sobre essa parte!), o Norseman é daquelas provas em que podemos ter as 4 estações num dia. Para isso, a roupa de prova tem de ser a melhor, para que estejamos o mais confortáveis possível. Passar do frio ao calor e vice-versa, ou do molhado ao seco sem trocas de roupa, só uma marca que se pode gabar de o fazer: X-Bionic. Através da X-Sports, empresa que representa a marca em Portugal, tive acesso ao melhor que existe no mercado para condições tão extreme quanto as dos Norseman. Não há igual, não mudei uma única vez de roupa, só acrescentei e tirei camadas consoante o necessário. Obrigada X-Sports, até nas viagens as meias de compressão não saíram das minhas pernas!


NUTRIÇÃO EM PROVA:

Quem me segue, sabe que sou adepta da Hammer Nutrition, marca americana com filial na Europa - Hammer Nutrition Europe. O lema da Hammer Nutrition é “less is best”: em vez de forçar a ingestão de hidratos e mais hidratos nas doses que se preconiza serem as adequadas ao peso do atleta e à duração da prova, a Hammer tem a abordagem de ingerir o mínimo desses valores ideais, ou seja nivelar por baixo em vez de nivelar por cima, porque jamais será possível compensar as perdas em prova, forçar a ingestão só fará com que o tracto gastrointestinal faça “shutdown” e depois não há volta a dar. Não vou entrar em mais pormenores, mas estou ao dispor para esclarecer e aconselhar tudo o que quiserem sobre a Hammer Nutrition. “Replenish not Replace”!



Pequeno- Almoço: tortilha de arroz (com 3 ovos), 3h antes da partida.

30min antes: 1 Endurolytes Extreme

T1: 1 Endurolytes Extreme

Bike:
- 4 bidons de 750ml com 4 medidas de Hammer Perpetuem + 4 bidons de 750 de água
- 1 Endurolytes Extreme de hora a hora

Corrida:
- 5 “chews” Perpetuem Solids
- 3-4 géis Hammer diluídos em água num “flask” de mão
- Várias garrafas de água (para beber e refrescar a cabeça)
- 1 Endurolytes Extreme de hora a hora.


Querem saber mais sobre a Hammer? Perguntem-me como!


THAT'S ALL FOLKS!