A prova de BTT mais Épica do mundo!
O nome diz tudo: Épica!
Épica de dura; Épica de longa; Épica de impiedosa; Épica de
inesquecível; Épica de extraordinária; Épica de GIGANTE!
Nesta prova, tudo é gigante: o registo prévio na Waterfront de Cape
Town, o briefing, as etapas, os single-tracks, os abastecimentos, o staff, as
race villages, o número de participantes, os duches, os WCs, as tendas de
comida, os serviços de apoio… é tudo em grande dimensão!
Não estamos habituados a uma coisa assim… Poderá ser intimidante para um
principiante. Mas poucos são os principiantes que se aventuram numa prova desta
natureza. No entanto, há alguns… e a comprová-lo está o que se passou na Etapa
1. Mas antes disso, vamos ao Prólogo!
Prólogo (19/03) – Meerendal Wine Estate (26kms, 750mts desnível+):
Com a famosa Table Mountain como pano de fundo, o percurso do Prólogo
era altamente técnico e exigente, do ponto de vista da concentração, mas
divertido, quase todo em single track, subidas, descidas, pontes, covas e
relevés, e destinava-se a escalonar as equipas, sendo que o tempo total iria
ditar o horário de partida para a Etapa 1 e a respectiva box de saída.
A “IronTeam”, composta por mim e pelo João Mesquita, tinha a
partida marcada para as 07:41:40. Custou levantar de madrugada para nos
deslocarmos (cerca de 40kms) até à partida do Prólogo e chegar lá com a devida
antecedência, mas ainda bem que assim foi. Fazia um calor invulgar para aquela
hora da manhã, e aqueles que partiram perto das 11h ou 12h sofreram muito mais
com as temperaturas elevadas!
Correu-nos bem e fizemos 1:35:39, o 2º melhor tempo entre
as equipas lusas, o que nos colocou em 25º lugar das equipas mistas, e nos
reservou a Box F na partida para a Etapa 1.
Etapa 1 (20/03) – Hermanus - Hermanus (101kms, 2300 D+):
Hoje ia começar a festa. E que festa! Foram 7:25:54 de
festa! 101kms num autêntico braseiro, areia até dizer chega, single tracks com
fartura e pedra misturada com areia no topo do bolo!
Cada uma das etapas tinha 2 extras, com o nome de alguns
patrocinadores: uma contagem de montanha (zona Hansgrohe ou zona Dimension
Data) e uma descida técnica (zona Land Rover), havendo um prémio para o 1º
classificado/a em cada uma dessas zonas, verificável através do tracker que
transportávamos.
Sendo a 1ª etapa, muita gente abusou, e muita gente
encostou. Muitos não estavam preparados, quer fisicamente quer psicologicamente
para a combinação de calor (mais de 40ºC), humidade e dureza extrema que se
veio a verificar. A subida de 3,5kms e 300mts de desnível, ao km 60, a serpentear
em single track pelo “Haarkapers Roete” acabou com as reservas de muita gente.
Poucos foram os que se aguentaram em cima da bicicleta, eu excluída! As forças
estavam no limite quando após a dura ascensão, tínhamos a zona de descida Land
Rover, altamente íngreme e realmente técnica, onde o mais pequeno descuido
seria uma queda com possíveis consequências graves. Os travões não eram
suficientes pois a bike ia de rojo, além de que ia muita gente apeada. E a pé
também se desce depressa num sítio daqueles!
Passada a zona técnica, o calor apertava como nunca, até
que tivemos um pequeno rasgo num pneu. Foi penoso colocar a câmara-de-ar com o
sol a queimar às 13h30. Seguimos caminho e foi então que nos começámos a
aperceber da quantidade de gente com problemas, parados nas bermas sob qualquer
sombra.
Chegados ao acampamento,
tomámos conhecimento da carnificina da etapa: 80 equipas tinham desistido, ou
seja cerca de 12% do total das que partiram! Muitos foram assistidos no
hospital, devido a golpes de calor e desidratação. Nós sobrevivemos na 26ª
posição da classificação mista, mais que motivos suficientes para estarmos
felizes!
Etapa 2 (21/03) – Hermanus - Greyton (62kms,
1500mts D+):
O massacre da etapa 1 e a previsão das mesmas condições
para o dia seguinte, levou a equipa médica a aconselhar o encurtamento da etapa
2, algo que aconteceu pela 1ª vez em 14 anos de prova. Os 102kms e 2350mts de
desnível, passaram para 62k e “apenas” 1500mts de subida. Foi uma decisão
corajosa, e acertada. Na madrugada da partida, já se via gente em muito mau
estado, com vómitos e alterações físicas profundas.
Nesta manhã fizemos a mala, pois íamos rumar a outro
acampamento, sito em Greyton.
Foi uma etapa que nos correu muito bem e conseguimos um
bom andamento. Hoje não havia nem muita areia nem muita pedra, e os single
tracks eram imensos e rolava-se rápido mesmo nos singles. Um autêntico parque
de diversões! Ainda assim tivemos uma subida duríssima, com cerca de 1,1kms e
inclinação média de 12,5%, que era a contagem de montanha do dia.
Já ontem tinha sido uma constante, e todos os dias se
repetiu o cenário: a presença fantástica de público espalhado por todo o lado!
Parecia uma cena típica da Volta a França: famílias ou pequenos grupos
instalados em determinados pontos mesmo no meio do campo, com uma carrinha ou
jipe, um guarda-sol, algo de comer e beber, e pulmões em forma para puxar e
aplaudir por todos os que passavam! Os miúdos gostavam de estender a mão para
que lhes déssemos um “high five”! A injecção de motivação e sorrisos que todos
estes entusiastas nos provocavam, era qualquer coisa de fenomenal e foi uma
constante ao longo de toda a prova.
O calor continuou, e
mesmo após o banho, o único sítio onde se podia estar com menos calor era nos
“rider lounges”, onde nos esticávamos nas espreguiçadeiras, colchonetes e
“puffs” que havia à nossa disposição, a ver um qualquer jogo de râguebi (o
desporto nacional) na TV, a navegar na Internet (excelente serviço de wifi em
todos os acampamentos) ou a conversar ou dormitar.
Etapa 3 (22/03) – Greyton – Greyton (78kms,
1650mts D+):
O dia começou um pouco mais fresco, mas mesmo assim
atingiram-se os 35ºC no pico do calor. Foi mais uma barrigada de single tracks
o dia todo, impressionante! Sem exagerar, a etapa era composta por cerca de 40%
de singles no seu todo, que variavam de dificuldade, mas todos exequíveis com a
devida concentração e firmeza no andamento, o que além do desgaste físico
acrescentava um desgaste mental assinalável. A concentração tinha de ser muita
para não falhar curvas e contracurvas, cotovelos apertados a subir e a descer,
evitar pedras, troncos e ressaltos, além de que havia encostas sem qualquer
proteção, onde o mais pequeno descuido podia significar uma queda desamparada.
Em suma, pouco aconselhável a quem sofresse de vertigens!
Fizemos uma boa etapa e
mantivemos sempre ao longo de toda a prova a 2ª melhor prestação entre as 9
equipas lusas presentes, embora fossemos a única dupla mista. Na geral das
mistas, íamo-nos mantendo no 25º posto, sendo que a dupla brasileira e alemã,
liderada pelo Henrique Avancini, se mantinha desde o Prólogo no 1º lugar da
Geral absoluta. O detentor da camisola amarela falava, portanto, Português!
Etapa 4 (23/03) – Greyton – Elgin/Oak Valley (112kms, 2150mts D+):
Fizemos as malas de novo, e iniciámos aquela que seria a
mais longa de todas as etapas da edição deste ano, o “equador” (meio) da prova.
O tempo estava meio envergonhado, o que para quem estava farto de calor não foi
nada mau. Mas os termómetros atingiram mesmo assim os 30ºC.
A etapa, designada como de ligação, foi bastante
diferente das anteriores, com grandes estradões, a fazerem lembrar o nosso
ondulado Alentejo. Mas hoje havia um vento incrível, de tal forma que sempre
que possível formavam-se pequenos pelotões para que, com trabalho de equipa,
fosse mais fácil progredir no terreno.
Porém, não podia deixar
de haver os single tracks da praxe, que apareceram nos últimos 25kms. Na
verdade, a etapa acabava numa extensão de single tracks e pontes espectacular,
num bosque frondoso e à sombra! Saía-se do single track quase directamente para
a zona de meta. Lá estava à nossa espera, como em todos os dias, o pessoal do staff que mal cruzávamos o pórtico, nos levavam a bicicleta para lavagem, os
que nos entregavam um pano molhado fresquíssimo para nos refrescarmos e
limparmos do pó preto no rosto e pernas, os que nos entregavam todos os dias um
saquinho, bem cheio, de um dos patrocinadores com comida de recuperação
pós-etapa e para termos alimentos até ao jantar. Mas o meu sítio favorito após
a chegada eram as cadeiras super-confortáveis do principal patrocinador de
nutrição, ficava ali 1h na tenda de recovery a recuperar o fôlego, a ingerir
recovery drink geladinho, a arranjar vontade de comer o que vinha dentro do
saco. Depois, era arrastar-me até à zona de duches, tomar um banho de água fria
ou quente (era à escolha), recolher o saco da roupa lavada (serviço opcional e
pago, não podia ser mais bem empregue!) e entregar o da roupa suja, e ir fazer
tempo para o lounge, à espera do jantar.
Etapa 5 (24/04) – Elgin – Elgin (84kms, 2100D+):
Choveu torrencialmente, trovejou e relampejou durante a
noite. O dia amanheceu bastante mais frio, mas não chovia. Tinham-nos prometido
um “fun day”, e assim foi: um dia em cheio, e quase repetitivo de tantos single
tracks que só de falar neles já parece rotina (sem exagero, foram 60% da
etapa)… mas nunca eram iguais! Após uma sucessão de subidas onde imprimimos um
ritmo forte, entrámos numa autêntica paisagem lunar, uma zona queimada
totalmente despida, em que as árvores foram todas cortadas ficando apenas os
tocos. O single track, apelidado de “A to Z”, ziguezagueava durante infindáveis
quilómetros, por entre troncos, raízes, pedras e areia, um festim para quem
gosta, e um martírio para quem não gosta. Mas há alguém que não goste disto?? O
problema era que não se conseguia comer nem beber durante demasiado tempo…
Mas muitos mais singles havia ao longo desta etapa. Mais
à frente entrámos num Bike Park, todo construído para o efeito, com pontes,
passagens superiores e inferiores, relevés, e inundado de público! Havia até um
speaker só para aquele troço. Emocionante, desafiante, a levar a adrenalina ao
rubro!
À medida que nos aproximávamos do fim da etapa, o ruído
do helicóptero a sobrevoar-nos, o som das pás a girar…. Como não ficar toda
arrepiada?? Isto é o Cape Epic!
À noite, durante o
jantar (a partir das 18h30), tínhamos sempre os pódios da etapa, as melhores
imagens do dia, e o briefing. Neste dia, a dupla do Avancini, vítima duma
gastroenterite e de uma sucessão de furos, perdeu a liderança para a dupla do
N. Schurter, que permaneceu líder até ao fim.
fazer
tempo para o lounge, à espera do jantar.
Etapa 6 (25/05) – Elgin – Elgin (103kms, 2750mts D+):
Dia da Etapa Rainha, e quem começou a ter sintomas de
perturbações gástricas durante a noite fui eu… Que pontaria!
Passei mal a noite, mal me alimentei de manhã, e assim
continuei durante toda a etapa. Foi um autêntico braço de ferro o dia todo,
entre o meu corpo e a minha mente. Sofri desde o km 0 até ao último km, numa
luta constante entre o poder e o querer. E querer é poder!
A subida principal nunca mais acabava… Eram 9kms que
subiam 600mts, com inclinação média de 7%, nalguns troços atingiam-se os 20%,
por entre areia e pedras, até atingirmos cerca de 1200mts de altitude. Estava
frio lá em cima, e a descer também. Se a subida nunca mais acabava, a descida
também não! Tanta pedra, nunca vi, hoje era o dia da pedra!
Pedalada a pedalada, lá fomos vencendo as dificuldades,
mas tive a impressão de termos sido ultrapassados por centenas de
participantes! “Um campeão é alguém que se levanta quando não pode…”
Amanhã é o último dia, e
estamos a um passo de sermos Finishers, o que não é, de todo, para qualquer um!
Etapa 7 (26/03) – Elgin – Val de Vie (85kms, 1350 D+):
Eis-nos no último dia, que nem por isso seria fácil…
Estava bastante frio quando arrancámos, como já vinha acontecendo há 2 dias.
Mas eu estava outra pessoa, tinha recuperado, e sentia-me muito melhor.
Estávamos decididos a recuperar os cerca de 3-4min que tínhamos perdido para a
equipa mista seguinte, que nos ultrapassara no “dia mau”.
Uns 20kms após a partida, formou-se um bom grupo onde
rolavam alguns amigos espanhóis e também outra dupla lusa. Trabalhámos tão bem,
contra vento de frente, que vários kms antes da grande subida do dia e última
do Cape Epic (a Franschhoek Pass), apanhámos a dupla mista que perseguíamos e
nunca mais os vimos. Foi pedalar, pedalar, pedalar como se não houvesse amanhã!
E não havia!
Não havia mais daquelas “feed zones” fenomenais, onde
havia de tudo: bolos, brigadeiros de frutos secos, gomas, sandes, carne fumada,
batatas assadas, fruta, barras e géis à escolha, isotónicos, água, etc. Eu
tinha adquirido um serviço de nutrição, onde tinha sempre 2 bidons novos com as
minhas bebidas (frescas!) à minha espera; uma zona mecânica onde nos punham
óleo na corrente sem sequer desmontarmos, e... uma tenda da Oakley onde nos
limpavam os óculos! Bem-vindos à melhor prova de BTT do mundo!
Antes de nos começarmos a aproximar da área de Val de
Vie, ainda tivemos de passar uns bons single tracks em sobe e desce cheios de
areia, mas eu já nem pensava nisso, pois já sentia a alegria a tomar conta de
mim.
Quando entrámos na espécie de “herdade” que é Vale de
Vie, famosa pelos seus campos relvados para a prática do pólo (para variar não
é uma zona de vinhas), um sentimento de realização para além do que conhecia
até então, começou a apoderar-se de mim. Senti um arrepio e conforme nos fomos
aproximando e entrámos no funil de meta, não consegui evitar umas lágrimas que
se misturaram com todo aquele pó preto que nos cobria o rosto. Dei um abraço ao
João, e agradecemos mutuamente a paciência e entreajuda que são o 3º elemento
de qualquer dupla bem-sucedida.
Subimos ao 23º lugar da classificação mista, mas que
importa isso? We are Finishers! É algo que nos marca e um orgulho imenso vestir
esta camisola!
Se eu podia fazer provas
de BTT por etapas por esse mundo fora, e nunca fazer o Cape Epic? Poder, podia…
mas nunca seria a mesma coisa! Ver para crer… “We are such stuff as
dreams are made on” (Shakespeare)
AGRADECIMENTOS - Sem a ajuda das marcas e entidades que
nos apoiaram, esta aventura não teria sido possível:
À GOLD NUTRITION,
CICLOMARCA – Specialized Spot, SPEEDSIX Wheels, Wellness SportCity, Filipa
Vicente Nutricionista, FisioPalongo, ADCRPJ e BikeMagazine – BEM HAJAM!