"This
is not for you.
Nothing
personal. But it’s not.
This
is for people with fight.
Resilience.
And
minds tougher than their bodies.
They’re
not interested in being the best.
All
they care about is besting themselves.
They’re
no nonsense.
No
hand-holding. No sugar-coating.
They’re
in pursuit of something bigger.
Their
team behind them, a smile on their face.
If
that sounds good, then maybe we were wrong about you."
THEY WERE WRONG ABOUT ME... Pela 2ª vez enganaram-se redondamente!
Voltamos sempre onde fomos felizes!
Tudo começou (ainda em 2019) com mais uma competição virtual do ZWIFT, que habilitava à tão rara e valiosa "slot" para o Full Distance mais Extreme do mundo. E eu mais uma vez ganhei essa slot!
Mas o mundo não estava preparado para o que viria a seguir: 2020 trouxe a pandemia do Corona Virus.
E tudo foi adiado e depois cancelado, e novamente adiado para aqueles que optassem por adiar.
Assim, em 2020 não houve prova e em 2021 ela realizou-se com um número residual de atletas, pois foi dada a possibilidade a quem quisesse de poder adiar para 2021. Essa foi a minha opção, devido à incerteza que ainda se vivia relativamente ao Covid. Só que entretanto... qualifiquei-me para a final do Campeonato do Mundo de Ironman no Havai!
Posto isto, fiquei com 2 provas de Full Distance, completamente opostas em termos de características, separadas por exactamente 2 meses, o que até deixa uma margem bastante razoável. Se podia não ter ido ao Norseman e focar totalmente no Havai? Poder podia, mas ninguém recusa uma slot no NORSEMAN (apesar de já lá ter ido uma vez)! Assim como ninguém recusa (já faltou mais..) uma slot para o Havai! O que tive de fazer foi encarar o Norseman como prova B (um objectivo intermédio), sendo a prova A o Havai. Afinal de contas é para essa que estou há anos a tentar qualificar-me! E consegui, no IM de Maiorca, ainda em Outubro de 2021.
Portanto, estava assente que a preparação não seria propriamente para o Norseman; este serviria como parte do processo de treino para o Havai. Sendo eu já conhecedora da prova, em que participei em 2019 (relato AQUI) e tendo na altura conseguido a famosa BLACK SHIRT (só reservada aos primeiros 160 atletas), o meu treino não foi específico nem para o frio, nem para o tipo de obstáculos/traçado que o Norseman tem. Este foi o compromisso assumido.
Havia que escolher uma equipa de apoio/Support Crew (mínimo 1 elemento, máximo 2), sem a qual não é possível participar no Norseman - "YOU CAN'T DO IT ALONE". Isto justifica-se por um lado por razões de segurança para o atleta (os primeiros 160 terminam a prova no topo de uma montanha aos 1800mts de altitude onde é muito difícil chegar e ainda mais difícil de sair); por outro lado, é este apoio que está encarregue de fornecer todos os abastecimentos e peças de roupa para o clima norueguês que se pode fazer sentir no dia da prova. A organização não fornece qualquer abastecimento sólido ou líquido. Entre várias possibilidades, fiz o convite ao meu amigo, colega de equipa e de treino JOÃO CORDEIRO, a quem ia oferecer este "presente de aniversário" (dia a seguir à prova) um pouco "envenenado"! Ele ficou delirante!
E assim o tempo foi passando, nós fomos treinando, e o calor em Portugal nos 2 meses que antecederam a prova foi apertando! Óptimo para o Havai, não exactamente para o Norseman, mas eu adapto-me bem e só queria era aterrar outra vez na Noruega e revisitar um dos mais belos locais onde já estive, ponto de partida da prova, em EIDFJORD, a cerca de 300kms de Oslo (para onde voámos) e a 150 de Bergen. Voltar a ver algumas pessoas da organização (o meu amigo Bent!!) e sentir de novo aquele fiorde e aquela magia.
E lá fomos nós, na madrugada de dia 03 de Agosto até Oslo, com escala em Madrid, rezando para que a mala da bicicleta não ficasse pelo caminho... Não ficou, mas não sem antes termos tido de mudar de avião em Madrid já com o embarque dos passageiros a meio devido a uma avaria.
Chegados a Oslo, resgatámos a mala da bike sem problemas e seguimos para o nosso alojamento na cidade, no comboio "Airport Express" (um luxo, mas também uma fortuna, há bilhetes de avião mais baratos!!), dado que só iríamos levantar o carro alugado para a prova no dia seguinte (o que nos custou mais uma fortuna no mesmo comboio Express!
PRÉ-PROVA:
Assim, na manhã de dia 04 viajámos no nosso "Norsemobile", uma viagem de 330kms, em grande parte em estrada de montanha, tendo a chuva feito a sua 1ª aparição durante esta estadia. Pelo caminho fizemos umas compras e almoçámos na esplanada de um supermercado, onde um norueguês nos perguntou se íamos ao Norseman e donde éramos, sendo ele surfista e que já tinha surfado em Portugal! Foi o 1º durante estes dias a elogiar o nosso país, mas houve mais... :-)
Uma viagem destas, sempre nos limites de velocidade noruegueses, numa estrada de montanha onde ninguém ultrapassa (os noruegueses não têm pressa, vão atrás de quem for preciso o tempo que for preciso) e com o piso molhado demora para lá de 4h, mais a paragem para o almoço, pelo que chegámos a Eidfjord quase em cima da hora de fecho do secretariado naquele dia (eram 17h45) mas deu para fazer tudo: efectuar o registo, levantar o kit, rever velhos amigos, receber algumas indicações importantes, gastar dinheiro na loja Norseman (ai ai, as coroas norueguesas não são para carteiras "tugas"!) e ainda ser voluntária numa investigação médica que visa avaliar o impacto a nível cardíaco de um stress físico como o do Norseman, levado a cabo por um médico britânico residente na Noruega. Para isso são recolhidas amostras de sangue nas vésperas da prova, após a conclusão da mesma no próprio dia, e no dia seguinte. Daqui a uns meses saberei qualquer coisa.
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Com o BENT OLAV OLSEN, uma figura emblemática do staff desde há anos. |
Estava FRESQUINHO em Eidfjord! Andei a mostrar o local ao João, visitámos o Parque de Transição, que é uma coisa minúscula comparada com a maioria das provas de Full Distance, e localizámos o nosso spot.
Este baloiço era novidade. Não existia em 2019!
Feito o registo dirigimo-nos para o nosso alojamento, que ficava a cerca de 40kms de Eidfjord. Até os túneis conseguem ser bonitos, algo que dá gosto ver! Já o conhecia da vez anterior em que também por ali passávamos para o nosso alojamento.
No dia seguinte (6ª feira, 05 de Agosto, véspera da prova) planeávamos ir até Eidfjord e passar lá o dia para experimentar a água (eu não iria molhar o fato de modo nenhum!), testar a bike, dar um trote e assistir ao briefing obrigatório (que falhámos porque eu baralhei as horas, mas também não era grave porque já conhecia a rotina e as poucas alterações já tinham sido comunicadas).
Por isso ainda na 5ª feira montámos a bike e identificámos o nosso "Norsemobile" conforme as regras. E que local aquele onde estávamos, mesmo à beira do fiorde, dava para nadar ali, tal como fizeram alguns dos nossos vizinhos atletas, mas nós guardámo-nos para Eidfjord.
E na 6ª feira dia 05, véspera da prova, lá fomos dar um mergulhinho e um trote em Eidfjord.
Antes disso, houve tempo para a foto oficial com os fotógrafos da prova:
Que gelo estava a água, assim para quem vem dos 40 graus de Portugal! Mas nós, os corajosos (o João foi corajoso quase à força!) não precisamos de fato!! O trote deu para aquecer.
Depois do briefing (a que não assistimos, mas onde ainda deu para estar um pouco com os outros portugueses: o meu vizinho e amigo José Manta, e respectiva crew, e o Ricardo Teixeira que eu não conhecia, mas já conhecia a assistência dele, o José Neves), regressámos o quanto antes ao alojamento, mas demorámos uma eternidade porque havia corte de trânsito devido a trabalhos na estrada. Nem um protesto, nem uma buzina, nada. Todos se comportam e ninguém protesta mesmo que o semáforo abra e feche e nós não conseguimos meter as mudanças automáticas e o semáforo feche de novo. Toda a gente esperou e ninguém reclamou. Se os portugueses aprendessem...
Preparar toda a logística e abastecimentos, todos os sacos, mochilas, cada bidon com cada dose certa de nutrição, prever a roupa para qualquer condição climatérica, tudo isto é um pesadelo logístico para muita gente e nem todos têm esta paciência e atenção ao pormenor. Mas tudo foi pensado, cada cenário foi equacionado e nada foi deixado ao acaso. "If you fail to prepare, you prepare to fail". O meu assistente João Cordeiro sabia tudo o que tinha de fazer.
A luz apagou-se às 22h. Devia ter sido muito antes mas não foi possível.
PROVA:
A luz acendeu-se de novo à 01h20 da manhã! Dormi bem mas não de forma contínua, pelo que da última vez que acordei já não voltei a dormir mais. Toca a levantar e a terminar o pequeno-almoço 3h completas antes da partida. O meu pequeno-almoço para provas longas consiste numa espécie de tortilha feita com arroz e ovos. Tem tudo o que faz falta e não tem o que não faz falta!
Chegámos ao PT e começámos a preparar as coisas no horário previsto, que era entre as 3h e as 03h45. O Ferry partia às 04h e o salto para a água seria às 04h45, com tiro de partida às 05h. Lá estava o imponente Ferry à nossa espera.
Depois de vestido o fato e as meias de neoprene, foi tempo de fazer umas fotos e dizer Adeus e Até Logo ao João. Entretanto começou a chover bem! Por isso enfiei também a touca de neoprene, e a da prova iria por cima.
Assim que entrei no Ferry percebi que não era o mesmo de 2019! Que luxo que era lá dentro! E que quente! Eu não queria estar ali no conforto, eu queria desconforto, mas não havia deck exterior para estarmos, era um Ferry de passageiros e não de transporte de viaturas como foi sempre em todas as edições anteriores do Norseman! Não tive outro remédio senão ficar ali sentada num lugar bem fofo e estofado, logo ao lado do meu amigo José Manta e da minha nova amiga canadiana Julie aka Ironmutti :-)
Depois de 2 dedos de conversa, saquei das minha Stretch Cordz e fui acordar os meus ombros!
Cerca das 04h45 chamam quem quiser ir ao "banho"! Não temos propriamente escolha! Mas este era o banho prévio, a possibilidade de sermos "borrifados" com água do fiorde, para ambientação à temperatura antes do salto. Claro que fui logo! E estive imenso tempo debaixo da pressão da água. Daí fui logo para a beira do convés para o salto.
Bahhh, até o salto era menos alto, mas não deixava de ser assustador para quem nunca o fez, talvez 1mt a 1,5mts, e ainda estava bastante escuro. Segurei os óculos com uma mão e atirei-me de pés. Pummmm!
Brutal! Gosto mesmo disto!
Não achei a água fria. O meu fato versão "thermal" é muito bom, e tinha cabeça e pés bem isolados. As mãos é que viria a ser pior. Ainda estivemos uns bons 10min até ser dado o tiro de partida, enquanto o dia clareava aos poucos. Havia muitos kayaks a delimitar a linha de partida e a fazer segurança, bem como pelo menos 2 semi-rígidos que eu avistei. Ainda deu para ver algumas caras conhecidas.
Soa a partida e já tinha dado conta que estávamos a ser ligeiramente empurrados pela própria maré. As primeiras braçadas são sempre vigorosas, por entre muitos atletas, algum contacto mas nada de extraordinário, o normal. Procurei estar bem posicionada e a coisa foi fluindo bem, sem nunca me encostar demasiado à linha de costa porque sabia que havia rochedos submersos.
Mas do meio para a frente a coisa muda de figura: começou a sentir-se exactamente o oposto, estávamos a enfrentar corrente contra e com alguma ondulação devido ao vento. Batia certo porque eu tinha visto que a maré ia começar a vazar por volta das 06h. Nesta altura, já as mãos acusavam bastante o frio, e quanto mais nos aproximávamos da bóia onde virávamos para o lado do cais de embarque, mais ondulação e correntes contrárias havia, e mais fria estava a água, devido ao degelo que escorria pelas encostas adjacentes!
Havia que lutar, mas tenho consciência que o ritmo baixou muito a partir dessa altura, como se pode ver pelo gráfico. Mas ia com um grupo grande, não estive cá para trás. À saída da água estava, como sempre, o Director de Prova e outros elementos do staff a ajudarem os atletas a sair, alguns em muito mau estado. Eu não saí muito mal, o pior é que mal saí estava um vento gelado incrível e a chover, a minha temperatura corporal começou logo a descer.
O João foi abrindo caminho no PT para o nosso lugar #60. Quando comecei a tentar tirar o fato é que percebi que já não conseguia fazer nada: não conseguia ter qualquer destreza nas mãos para fazer nada, e já estava a tremer descontroladamente. Foi aí que o João percebeu que tinha de me fazer tudo, inclusive guiar-me os braços e mãos de modo a acertar com as aberturas do poncho para me poder despir e vestir, mas a única coisa que consegui fazer foi tirar o calção do bikini e enfiar o calção de prova, tudo o resto teve de ser ele a fazer, nem 1 dedo eu conseguia enfiar numa luva, quanto mais um braço do jersey ou 1 sapato. Por tudo isto, passaram-se praticamente 17 longos minutos na T1. Paciência, não foi possível de outro modo.
Parto para a bike debaixo de chuva que volta e meia se intensificava, depois abrandava, mas foi praticamente sempre a chover. Sabia que ia aquecer porque seriam umas 2h a subir até Dyranut, onde tinha combinado o 1º abastecimento, mas nos primeiros kms eu não conseguia sequer sair da pedaleira pequena ou reduzir qualquer mudança (só meter mais) porque não tinha força/destreza nas mãos para accionar as manetes (transmissão mecânica). Eu não conseguia sequer tirar o bidon da grade para beber, os meus dedos não sentiam os objectos, muito menos apertar o bidon para sair água! Quando começaram as primeiras subidas, mesmo curtas, comecei aos poucos a ganhar alguma sensibilidade e lá consegui começar a beber qualquer coisa. E quanto mais subíamos mais aquecia. Sendo esta parte do percurso bastante abrigada por entre grandes gargantas (pena não se ver nada, estava nevoeiro), não se sentia vento. Foram 2h e algo a subir, e no topo em Dyranut lá estava o João, à chuva coitado, com o abastecimento e roupa extra para me dar. Mal parei a bicicleta senti logo as terríveis condições que ali estavam, indescritível a sensação térmica, que rondava os -2 ou -3 graus com vento e chuva num local completamente exposto.
Antes de fazer fosse o que fosse, tinha de satisfazer uma necessidade fisiológica, e nesse bocadinho de tempo gelei completamente. Apressei-me a trocar de luvas e a trocar as ponteiras dos sapatos por umas capas completas em neoprene que foram providenciais (preparação!!), enquanto o João me ajudava e foi buscar óleo para a minha corrente. Soube que havia problemas com o meu tracking e não se sabia em que posição estava. Combinámos o abastecimento seguinte em Geilo onde ele iria procurar saber a classificação. Segui sem mais demora porque sabia o que aí vinha...
E o que aí vinha era o maior planalto da Europa, o Hardangervidda, onde simplesmente os ventos laterais, o frio que se fazia sentir, somado ao piso molhado, tornou grande parte dos 50kms seguintes num calvário! Num instante fiquei novamente com os dedos gelados, apesar das luvas estarem secas quando as calcei, mas mal conseguia agarrar nas manetes para ir controlando a velocidade, não querendo correr qualquer risco de queda. Felizmente montei propositadamente tubulares com grande "grip", ou teria sido ainda pior.
Passada a parte pior do planalto, sempre com ventos laterais de abanar a bicicleta e extrema dificuldade em controlar mudanças e travões devido ao frio, saía-se da zona descampada e as condições foram ficando progressivamente melhores. Até o sol fez algumas aparições e a temperatura subiu para uns impressionantes 10/11 graus!
Depois do abastecimento de Geilo (onde soube que o meu posicionamento estava no nº 165) começaram novamente as subidas, e era nelas que eu ia buscar bastante gente, pois a minha bicicleta de estrada tinha uma geometria muito mais adaptada a subir do que as bicicletas de contra-relógio.
Metro a metro, subida a subida, já sem chuva, ainda com bastante vento entre a 2ª e a 3ª montanha final, venci o segmento de ciclismo em cerca de 7h30, e eis que já me encontro a descer velozmente (embora sem poder aproveitar tudo, pois faltavam-me melhores travões) os últimos 15kms que me levaram ao Parque de Transição 2, com sol a iluminar, onde o João já tinha tudo preparado para mim: larguei a bike, fui ao WC, troquei de meias e sapatos, muni-me dos meus flasks de Gel + água, boné, e saio do PT no mesmo lugar 165 (recuperei lugares, cedi alguns, mas a contabilidade só se faz no fim), com algum desconforto nas pernas devido ao imenso frio que tinham apanhado.
Logo ao início da corrida fui passada por um concorrente masculino que até não ia muito rápido, mas eu ainda não tinha entrado no meu ritmo. Logo a seguir, 2 concorrentes femininas também, que iam com um passo que simplesmente não era o meu. Mas eu não entrei em pânico, havia muito que correr, eu precisava de estabilizar e encontrar as minhas pernas.
Enquanto eu corria, o João no "Norsemobile" ia parando a intervalos para me dar o que eu precisasse a nível de abastecimentos e/ou perguntar de que precisava ou só se estava tudo bem, enquanto também dava palavras de incentivo. A assistência está impedida de correr connosco até à Zombie Hill ou acompanhar ao lado de carro, e sempre que parar tem de estar com as 4 rodas fora da estrada e o atleta nunca pode sequer sentar-se no carro.
Entretanto, eu fazia a minha contabilidade enquanto ia encontrando as pernas: passei um com cãibras que estava deitado no chão junto à assistência dele. Depois passei uma rapariga por volta do km 11/12, num topo de que me lembrava tão bem em 2019 (topo = MONTANHA naquela fase!!). O João dizia-me que ia um atleta um pouco mais à frente, pesadão e lento, com mochila, e que eu ia passá-lo. E passei! Depois mais um, acho que espanhol, cuja assistência estava sempre a puxar por mim (no Norseman todos apoiam todos!!), que parava para reabastecer. Eu nunca parava. E assim andava sempre para a frente. E quando me aproximei da marca da meia maratona, eu sabia que pouco depois iria aparecer a visão do Gaustatoppen à minha frente, lá em cima, lá muito longe...
E foi mais ou menos por essa altura, cerca do km 23/24, que passei o atleta que me faltava para entrar na Zombie Hill na posição requerida: 160!!
Entretanto, o João, em videochamada com outro João aka POMBINHO (a minha assistência de 2019), que foi incansável no apoio mesmo à distância (passei a ter uma Crew de 2 e não de 1!!), combinou comigo que iria deixar o Norsemobile ao km 32.5 (cut off) e viria ao meu encontro a descer para me acompanhar Zombie Hill acima, com todo o material necessário. Da Zombie Hill para a frente, já a assistência pode acompanhar o seu atleta, mas nunca pode ir à sua frente, só ao lado ou atrás. Assim, quando cheguei à base da Zombie já lá estava o João à minha espera, com mochila, água e abastecimento. Foi tão bom tê-lo ali!
Mas eu vinha exausta. O esforço que dispendi para ultrapassar aqueles atletas, não perder mais nenhuma posição e alcançar o 160, fez com que eu precisasse de caminhar algum tempo a ritmo moderado até recuperar um pouco. Logo ali, no início da subida passou-me um atleta altíssimo, a caminhar bastante rápido. Passado um pouco, mais 1 com o seu apoio, a correr (!!!) muito devagar, mas ainda assim a correr. Era um ritmo que eu estimei ser próximo dos 9/9.30min/km, enquanto eu estava a caminhar o mais rápido que conseguia a 10/10.30min/km. O atleta que corria devagar nem por isso conseguia alcançar o atleta alto que me tinha passado e que só caminhava. Continuavam todos no nosso campo de visão, a uns 50, 100, depois 150mts. Deixávamos de os ver nas curvas, mas mantinham-se à vista.
A Zombie Hill tem 7kms de extensão a uma média que ronda os 10%, e para citar um atleta da "Slowtwitch" que também participou, "the start of Zombie Hill was like a punch
in the face." E é mesmo! O João ajudava com palavras de força e incentivo, tal como o Pombinho via Call. Eu ainda tinha esperança, nunca a perdi.
Faltariam uns 3 ou 4 kms para o fim da Zombie quando passou por nós, numa mistura de caminhada/corrida lenta uma atleta polaca com a sua assistência. E eu sempre que tentava pôr-me a correr não conseguia manter um ritmo minimamente aceitável e que representasse um avanço face à caminhada rápida. A fadiga e a dor eram mais que muitas, e eu corrira o risco de depois não conseguir sequer caminhar rápido. E por fim, chegou o outro atleta português que se mantinha em prova, Ricardo Teixeira, atleta de Trail, com a sua crew de 2, também do Trail, e que se ia revezando para o ajudar. Tentei ir um pouco com eles, mesmo que cá atrás, mas simplesmente não conseguia. Correr com uma inclinação daquelas era quase como cair para a frente, ou para trás neste caso, pois não conseguia impulsionar-me mais para a frente.
Ainda fui buscar mais 1 atleta, um "portento" mas que estava bem pior que eu. Ao invés de se mostrar frustrado ou desiludido pela ultrapassagem, antes apoiou! Isto é o Norseman!
Já só faltava pouco mais de 1km e nesta altura era evidente que não tinha hipótese de ganhar a minha 2ª camisola preta, alcançando o cut off dos 32.5 na posição suficiente. Cerca de 200 ou 300mts do cut off, numa curva, está sempre uma espécie de "banda" de uns tipos que são meramente fãs da prova, com uns chapéus e cachecóis todos coloridos e com uma música altíssima a tocar " WE ARE THE CHAMPIONS" dos Queen! Formam um túnel e ali é para correr, doa o que doer é para correr! E já vinha a correr desde que ouvi a música, e continuei a correr após passar esse ponto, não deixando de me sentir contagiada pela alegria, privilegiada por poder estar ali e feliz por ter dado tudo quanto tinha para dar! A dada altura, vem ao meu encontro um rapaz saído da tal banda e que vem de propósito ter comigo para dizer: "Heyy, do you remember me? Max, from 2019!!"
É claro que me lembrava! O Max Rauer subiu à montanha mais ou menos ao mesmo tempo que eu na edição de 2019, e já íamos bastante próximos na parte final da bike nessa edição. Que alegria vê-lo ali, desta vez como claque e não como atleta!
Entrei nos últimos 200, 150, 100, 50mts, a ver as baias delimitadoras do acesso ao km 32.5, com o João sempre a dizer-me "não pares, corre, é para correr", e foi o que fiz, honrando o meu esforço, o esforço dele, a prova, a Zombie, e o monstro que é aquela maratona a partir do km 25.
Estava lá o Director da prova, Dag Oliver. Ele dava as boas novas ou as más notícias a quem lá chegava. Ouvi um caloroso "I'm sorry. I'm really sorry", enquanto me punha a mão no ombro e me mostrava o nº 163. E eu apenas sorri e disse "It's the rules! I know. Thank you. I'm happy anyway"!
Não menti, nem fingi a tranquilidade que sentia. Sei que fiz o meu melhor, sei o quanto treinei embora não especificamente para aquela prova e sim para o Havai, e sei que fiz uma excelente prova, tendo em conta as condições atrozes, a qualidade da concorrência que estava muito superior a 2019, e a minha resiliência até ao último metro da Zombie Hill. Apenas 3 foram melhores do que eu (inclusive a polaca que me passou ficou no nº 161, que frustração deve ter sido!). Por isso, sentia-me feliz e tranquila, ia ter uma Camisola Branca para juntar à Preta que já tinha. Então vamos lá continuar!
Do km 32.5 para a frente era reservado aos que passaram o Cut off, e nós íamos virar à esquerda no alcatrão, e seguir durante cerca de 5kms até Gaustablikk, local onde se situa o hotel oficial da prova, e onde também tem lugar a cerimónia de entrega das camisolas e os pódios, no dia que se segue à prova. Chegados a Gaustablikk, a organização tem um circuito montado à volta do local, delimitado com fitas, e em que temos de percorrer 10 voltas (10!!! Really??) que, com o troço de ligação até lá e todos os kms anteriores, perfaz a distância de 42.2kms da Maratona. Sim, os premiados com a camisola Branca fazem na mesma a Maratona, e ainda atingem 1000mts de acumulado final!
Quando soube que eram 10 voltas àquele percurso minúsculo confesso que não achei graça nenhuma... E a 1ª volta não conta!! What?? Mas no fim percebi que é porque a 10ª é de "borla", é no final da 9ª volta que desviamos para uma Finish Line montada para nós! Entregam-nos um cartão tipo livre trânsito, com quadradinhos onde a organização pica cada volta que completamos.
Houve sempre pessoas a apoiar até neste circuito, não eram só os elementos do staff que lá estavam (que eram bastantes). Havia música, havia um ponto de abastecimento com água, Cola, fruta, e o fantástico Bent fazia questão de acompanhar todos os atletas que iam para a Branca em pequenos troços do circuito, alternadamente, juntando-se a este ou àquele e conversando, com uma enorme bandeira da Noruega na mão. Conversava sem qualquer tipo de juízo de valor sobre aqueles que "só" tinham chegado à Branca, dava uma dignidade com as suas palavras, e todo o circuito e pequenos nadas estavam feitos para que os Finishers da Branca não fossem de modo nenhum menos dignos que os Finishers da Preta.
Entretanto, o João, que tinha feito 4 voltas comigo, voltou para o km 32.5 a correr para ir buscar o Norsemobile. E eu fiz as minhas 10 voltas com toda a calma do mundo, sem qualquer pressa, corria de vez em quando, caminhava outras vezes enquanto trincava umas barras (1ª comida sólida que tomava) e via chegar muitos outros atletas enquanto o frio começava a regressar.
A dada altura ouvi tocar o hino francês umas 2 ou 3 vezes, e não conseguia perceber porquê... Quando entrei nos últimos 100 metros da minha última volta é que percebi porquê: começaram a tocar o hino de Portugal! Incrível! Até nisto o Norseman consegue ser diferente e conferir uma dignidade tal que nunca fazem ninguém sentir que a camisola Branca seja de 2ª categoria!
Sorri enquanto escutava o hino e entrei no desvio que levava à Finish Line da camisola Branca, por entre palavras de "Congratulations" dos controladores e do médico da organização. Estava feliz!
Cruzei a meta e uma senhora da organização entregou-me logo um copo grande com "SOUP". Estava quentinha e era deliciosa! Também nisto o Norseman consegue replicar nos Finishers da Camisola Branca aquilo que se passa no topo da montanha com os Finishers da camisola Preta, pois também servem a referida sopa quentinha! Soube pela vida!
O Martin (o médico da prova) veio ter comigo e disse-me que quando eu me sentisse apta, para subir ao 1º piso do hall do Hotel para proceder à recolha de sangue do pós-prova, no âmbito do estudo para o qual me voluntariei. No dia seguinte seria recolhida nova amostra.
Terminei e entretanto o João chegou, com o Norsemobile. Tínhamos marcado o "Finish Line buffet" no hotel da prova, com a maioria dos restantes atletas, Pros e tudo. Que simplicidade que tem o já multi-vencedor do Norseman Allan Hovda aka TriAllan, é um prazer falar com ele e ele connosco, na sua camisa havaiana e de laço na camisa! Foi o melhor que fiz, comida boa, na quantidade que quisessemos, conversa boa e depois estarmos livres e alimentados para seguir para o nosso AirBnB.
No dia seguinte voltámos e houve então o pódio (só há para os 3 primeiros absolutos, masculinos e femininos, não há escalões no Norseman) e entrega das camisolas, com foto de grupo no final.
Se podia ter ido ao Norseman e ter ganho a camisola preta? Poder podia, porque tinha condições físicas para isso. Mas houve 3 atletas que tiveram melhor condição física do que eu, e o mérito é deles!
Se podia não ter ido ao Norseman, não correr o "risco" de me ficar pela camisola branca e em vez disso focar tudo no Havai? Não, não podia, não só porque não viro costas a um desafio deste calibre, como eu foquei tudo no Havai na mesma, o Norseman fazia parte do processo, foi um enorme teste, melhor não podia haver, e estou orgulhosa do que fiz. A meteorologia ser oposta à do Havai não me afecta muito, temos tido um Verão daqueles, com ondas de calor qb para treinar para o clima havaiano.
Estou feliz e com a sensação de dever cumprido com esta camisola! Aqui o ANTES (com a Preta):
E aqui o DEPOIS, com a Branca:
Que mais se pode desejar? Um conjunto BLACK & WHITE desta qualidade! Mais uma experiência incrível, uma Branca conquistada com tanto ardor que vale como uma Preta, e com mais uma Crew fantástica no apoio: BEM HAJAS JOÃO CORDEIRO, pela tua paciência e bom astral, e BEM HAJAM JOÃO POMBINHO e ANDREIA ESTRELA, pelo apoio à distância que me deram a mim e ao "caloiro" João Cordeiro!
Não, esta não foi a minha última vez no Norseman... ;-)
Agora: ALOHA KAILUA-KONA, HAWAII!
"Successful Full Distance athletes build, over time, an IRON Minset. A way of being and doing that enhances performance predictability and sets them up to be highly adaptable in all areas of life, remain focused and resistant to fragility." (Matt Dixon, Triathlon Coach)
NUTRIÇÃO EM PROVA:
Muitos já sabem que sou
adepta da Hammer Nutrition, marca americana com filial na Europa - HammerNutrition Europe. O lema da Hammer Nutrition é “less is best”: em vez de forçar
a ingestão de hidratos e mais hidratos nas doses que se preconiza serem as
adequadas ao peso do atleta e à duração da prova, a Hammer tem a abordagem de
ingerir o mínimo desses valores ideais, ou seja nivelar por baixo em vez de
nivelar por cima, porque jamais será possível compensar as perdas em prova,
forçar a ingestão só fará com que o tracto gastrointestinal faça “shutdown” e
depois não há volta a dar. Não querendo entrar em mais pormenores, estou sempre
ao dispor para esclarecer e aconselhar tudo o que puder sobre a Hammer
Nutrition. “Replenish not Replace”!
Pequeno- Almoço: tortilha
de arroz (com 3 ovos), 3h antes da partida.
30min antes: 1
Endurolyte Extreme + 1 stick Fully Charged em 25cl água.
Bike:
- 4 bidons de 750ml com 4
medidas de Hammer Perpetuem em cada um (para 2h) + 1 bidon de 750 de água (pouca água devido às condições climatéricas extremas)
- 1 Endurolyte Extreme
de hora a hora
Corrida:
- 4 “chews” Perpetuem
Solids
- 3-4 géis Hammer
diluídos em água num “flask” de mão
- 1 Endurolyte Extreme
de hora a hora
- Até à Zombie Hill: 3 soft flasks de água; na Zombie Hill, fui bebendo água de uma garrafa transportada na mochila do João.
- Após o cut off dos 32.5k: água e pedaços de barras energéticas.