segunda-feira, 10 de novembro de 2025

IRONMAN WORLD CHAMPIONSHIP – KONA, HAWAII, 2025

 A minha participação na edição de 2025 do Ironman World Championship na “Big Island of Hawaii”, foi a minha primeira e única num Mundial exclusivamente feminino, já que a participação anterior, em 2022, foi a última vez que homens e mulheres correram juntos na ilha, embora separados em 2 dias diferentes. De igual modo, 2025 foi o último ano em que houve separação de géneros, voltando ao formato de uma só prova conjunta novamente em 2026, como sempre foi, e no mesmo dia.

O que pude constatar é que a ilha estava muito menos lotada, o que conferia maior calma e tranquilidade tanto aos atletas e acompanhantes, como à comunidade local. O reverso da medalha, porém, é que se notava bastante a falta de público e apoio em locais míticos que anteriormente costumavam estar a abarrotar de gente e que agora estavam tristemente quase desertos, como a Ali’i Drive e o Energy Lab.


Dito isto, esta prova continua a ser inesquecível, e a magia da ilha, quase como um feitiço, sente-se independentemente da quantidade de pessoas que lá está! Impressionante também é o número de voluntários, a disponibilidade total dos mesmos, a entrega, a solidariedade para connosco, o voluntarismo em efetivamente ajudar, porque serem voluntários não significa automaticamente voluntarismo. Esse voluntarismo vem ao de cima em cada gesto altruísta e genuíno quando um atleta se aproxima de uma “aid station”, de uma transição, após cruzar a meta, em que somos acompanhados até à zona de recobro por alguém que está designado exclusivamente para nós. Por tudo isto e muito mais, os voluntários do Ironman World Championship são os verdadeiros heróis desta prova, os atletas profissionais ou amadores, não conseguiriam fazer o que fazem sem eles, e a prova tampouco se poderia realizar sem o seu contributo.


O dia D amanheceu chuvoso, o que indiciava que a humidade, aliada ao calor do dia, iria estar exponencialmente elevada, o que veio a confirmar-se.

A natação registou uma temperatura da água a rondar os 28 graus, mas as condições estavam bastante agitadas, embora tal não afastasse os golfinhos que avistámos durante o segmento.


A saída para a T1 é mais uma vez auxiliada pelos voluntários, tendo sido nessa altura que olhei para o relógio a 1ª vez e confirmei a percepção de não ter sido nada bem executada, pois é o meu maior calcanhar de Aquiles. Mas havia ainda muita prova para cumprir, e saí o mais rápido que me foi possível, tendo em conta que além da troca de equipamento, há que fazer a ronda total ao famoso parque de transição no “Pier” de Kailua.

Sendo o ciclismo o meu segmento mais forte, saí a boa média e a ultrapassar muita gente, embora ciente que esse ímpeto inicial tem de ser controlado pois mais para a frente é que estão as verdadeiras dificuldades. Essas passaram em grande medida pela humidade extrema que se começou a sentir devido ao alcatrão ainda algo molhado e quente estar a irradiar um “bafo” indisfarçável, que aliado ao sol cada vez mais alto, começou a fazer estragos evidentes em toda a gente. Fui passando muitas atletas até à aproximação à subida de Hawi, onde me cruzei, no sentido contrário, com a cabeça da corrida, pela ordem Taylor e Lucy a escassos metros, e bastante tempo depois a norueguesa Solveig. Para trás estavam as restantes muito mais atrasadas.


Hawi é daquelas subidas que eu gosto, mas que moem. É por isso que gosto, porque a mim não me costumam moer tanto quanto às outras. Puro engano, porque no dia da prova não gostei nada devido ao vento incrível que se fazia sentir por ali acima. Soprava do quadrante nor-nordeste, e nos locais mais desabrigados fazia-nos andar de lado. Isso a juntar à subida, fez estragos. Após o retorno em Hawi, que não é meio-caminho porque passa a marca dos 100kms, temos então setores com grandes descidas, mas aquele vento que agora estava de nor-noroeste fazia abanar tanto a direção que ir nos extensores era um risco que eu não queria correr para além do aceitável.

Pouco após a descida, entramos no longo troço de regresso na Queen K, e a inclemência das condições climatéricas produz desgaste cada vez mais evidente. Há que apanhar água em todas as “aid stations” e molhar a cabeça e o corpo para arrefecer o mais possível. É um constante sobe e desce com vento lateral vindo do mar, à nossa direita, que fustiga incessantemente até voltarmos a entrar no PT em Kailua. Cheguei exatamente na marca das 06:00, paciência, acelerar para pagar (ainda mais) a fatura na corrida estava fora de questão. Transição um pouco mais demorada do que a 1ª para colocar meias, dorsal com abastecimentos, enquanto os incansáveis voluntários nos pulverizam com protetor solar e toalhas frescas no pescoço. Para quem não sabe como são os voluntários do IM World Championship, é isto e muito mais!

Os primeiros passos da corrida são sempre penosos, porque sai-se do PT e sobe-se logo um pedaço (uns 80mts) até entrarmos à direita na Kuakini Road, e depois na Ali’i Drive. A Ali’i Drive também é um constante sobe e desce, aliás não há 1 metro plano nesta prova, em nenhum segmento, é sempre um suave ondulado que vai causando um desgaste como uma pedra de moer. São cerca de 6kms ir e voltar (portanto 12), até levarmos com a subida da Palani, essa uma autêntica rampa, e depois virarmos à esquerda para a Queen-K. Se já a Ali’i Drive massacrou com o seu ondulado, a Queen-K que começa sorrateiramente a descer, vai ser progressiva e maioritariamente a subir até à curva para o infame Energy Lab.


Cada “aid station” é visitada por praticamente todas as atletas: os voluntários oferecem-nos copos de água, isotónico, coca-cola, gel, barras, cubos de gelo às carradas que enfiamos pelo fato adentro, pela cabeça abaixo no chapéu, enfim, é chegar seca que nem um bacalhau e sair encharcada de cima a baixo no espaço de 10 ou 20mts. O efeito dura pouco mais que instantes, pois seca tudo debaixo do sol abrasador. Não, não é impressão, a ilha está a castigar como nunca todas nós, desde Pros a amadoras. Chegar à curva para o Energy Lab é ao mesmo tempo um alívio (porque aí começa a descer) como um temor, porque sabemos que por volta daquela marca dos 25kms e naquela cova do Energy Lab, acontece a maior chacina da prova, onde muitos caem que nem tordos e outros procuram erguer-se das cinzas. Eu apenas procurei sobreviver, “pasito a pasito”. No retorno do Energy Lab apanhei o meu saco das “Special Needs” onde tinha mais um “soft flask” com bebida energética e segui no ritmo possível. Reentrar na Queen-K é um alivio, mas o que guardo dessa reentrada é a bola de fogo vermelha do sol, a pouco tempo de se pôr, sobre o mar à nossa direita.

A descida da Palani é como uma marreta nas pernas devido ao impacto, mas é também o aproximar do final, é um ânimo que renasce, mas ainda pode acontecer alguma coisa, como aliás sabemos que aconteceu muito antes à Lucy, e depois à Taylor, tão próxima do fim. Eu já só penso naquele corredor de meta, na alegria que quero voltar a sentir quando o percorrer, ladeado por bandeiras de todos os países representados, e naquele tapete vermelho e no topo onde culminam os 42.2kms, que eu cruzo passadas 12:06:34.


Foi preciso muito HOʻOIKAIKA (lema desta edição da prova, significa RESILIÊNCIA) e muita disciplina, muito foco e dedicação, muita capacidade de sacrifício e entrega durante 12 meses para fazer 12h06 de prova. Parece “fácil” … mas não é!

“See you next time Kailua-Kona, Mahalo”! 

Sem comentários:

Enviar um comentário